quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

O fenómeno da pobreza relativa em Cabo Verde é uma questão de regime ou da essencialidade da própria sociedade e/ou do Estado?

Atrevo-me a responder dizendo que o fenómeno da pobreza relativa em Cabo Verde faz parte da essência da nossa sociedade, mas também é uma questão de regime e da sua essencialidade, sendo a sua completa eliminação dever fundamental do Estado de direito democrático. As estatísticas indicam que a pobreza em Cabo Verde vai deixando de ser absoluta para se ser cada vez mais relativa, significando isso que a pobreza deixará de ser consequência da ausência total de riqueza, para passar a ser consequência da ausência momentânea de rendimentos, da sua exiguidade e da sua escassez. Por outro lado, a pobreza parece ser endémica, profunda e difícil de combater se não for por via de reformas estruturais que envolvam todos os agentes económicos e por via de uma maior vigilância por parte do Estado, da sociedade, das suas instituições e dos cidadãos em geral.

A pobreza relativa é muito mais perigosa para as pessoas do que a pobreza absoluta, pois que provoca entorses e formas escondidas de vida ou mesmo vergonha social e reflecte, exactamente, um estilo de vida de todo muito negativo para as pessoas, para as famílias e para a sociedade. Uma pessoa na situação de pobreza relativa, quando tem fome não diz a ninguém, porque pode sentir-se envergonhada, pois que a fome não é compatível com a sua própria aparência. Um pobre relativo aparenta ser um não pobre, porque tem em sua casa um televisor, telefone fixo e móvel, anda limpo e bem vestido, mas quando adoece dificilmente avia uma receita e não consegue educar os filhos se o Estado não lhe disponibilizar recursos, não tem qualidade de vida. Esconde a falta momentânea de rendimentos e finge que não tem problemas porque sabe esconder a realidade da sua vida, o que dificulta ainda mais o tratamento, enquanto mal social.

Taxativamente pode dizer-se que o grande responsável pela forma pacifica como uma parte significativa da população cabo-verdiana vive economicamente e a empobrecer-se no dia-a-dia por falta de rendimentos, se deve à forma como o Estado interpreta e gere os mecanismos de salvaguarda dos “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, à forma omnipresente como trata o desenvolvimento das suas relações com a sociedade e olha para a sociedade, e como vigia a aplicação do próprio sistema constitucional vigente. A Constituição da República normaliza essa relação, nomeadamente a partir do seu Capitulo III, fixando limites em relação ao exercício de um conjunto de direitos sociais. Porém, o Estado parece extravasar, por omissão, tais limites constitucionais, ignorando-os e quiçá incumprindo a própria lei fundamental, na administração desses recursos constitucionais.

Nesse sentido há muito trabalho politico a desenvolver e há que imprimir mudanças profundas no sentido de estabelecimento de um novo equilíbrio entre os diversos subsistemas de solidariedade, através dos quais os cidadãos ocupariam definitivamente o centro das preocupações de todas as políticas públicas, fazendo com que o Estado se centre na sua verdadeira missão, desenvolvendo a regulação, como ratio fundamental, e uma nova cultura de relação com a sociedade e nunca, em nenhum momento, procurar substitui-la. Importa dizer, ainda, que parece ser justo reafirmar que a conduta geral do Estado em Cabo Verde deve mudar, para que o nosso comportamento colectivo em relação a tudo o que nos rodeia possa também mudar: uma mudança que, como dizia Francisco Sá Carneiro, nos obriga a assumir que quando estamos a governar, exerçamos o consulado governativo, numa perspectiva de que quem nos vai substituir, no futuro, somos nós próprios e não os outros ou melhor não os nossos inimigos, mas sim e no mínimo, os nossos adversários, por quem devemos nutrir e cultivar respeito.

Ora a situação de pobreza relativa na qual vive uma parte significativa da população cabo-verdiana pode vir a requerer uma nova atitude politica ao Estado: uma espécie de exigência de fundo, uma terceira refundação da sociedade e mesmo da Nação. Na medida em que tenho por mim que i)a primeira refundação da Nação Cabo-verdiana terá, porventura, sido sintetizada com a independência nacional; a segunda com o advento da democracia e a terceira irá ocorrer com o desenvolvimento sustentável, numa perspectiva da completa eliminação da pobreza enquanto forma de vida, introduzindo a ideia de absorção das oportunidades de desenvolvimento. Por conseguinte, essa mudança politica exigida na forma e no conteúdo, requer lideranças fortes, que não titubeiem em nenhum momento perante o imperativo de eliminação da pobreza, popularizando a correcta essência do Estado em prol dos cidadãos e da sociedade: assim sendo, nenhum Líder político do nosso tempo se deva furtar a essa obrigação constitucional, sob pena de ele falhar para com o País e obrigar-nos a falhar colectivamente perante a história, fazendo com que as facturas do presente momento vierem a ser suportadas, injustamente, pelos nossos filhos, pelo que se torna num direito fundamental exigir mudança de atitude e temos mesmo que arrepiar caminhos.

Para que sociedade cabo-verdiano vá de novo à procura dos seus fundamentos não podemos enjeitar tarefas e as soluções devem ser construídas numa perspectiva de prevenção social e não de correcção social, pois aqui mais vale prevenir do que remediar e temos que ser capazes de assumirmos colectivamente reformas constitucionais, que permitam a integração de todos os Cabo-verdianos residentes no País e na Diáspora no circuito económico do País, eliminando o sector informal, dando estabilidade fiscal a todos os concidadãos, no sentido de uma nova arquitectura de valores sociais e culturais e de uma outra forma integração social das famílias. Incomoda muito saber que existem mais de 130 mil pessoas a viverem com menos de 120 escudos por dia - são mais de 25 mil famílias. Incomoda ainda muito mais saber que o Estado olha para esse fenómeno e assobia para o lado. Notar que num agregado familiar com 5 pessoas, se o seu rendimento diário é de 120$00 significa que no final do dia entram para o rendimento daquela família 600$00. Basta pensarmos o que é que significa confeccionar três refeições diárias com 600$00?

Politicamente pensando é redutor a forma como o Estado olha para a situação da pobreza em Cabo Verde, mormente através do Programa de Luta Contra a pobreza, que tende a negar a natureza e a missão do próprio Estado. Esse deve ser, sempre, resultante do legítimo escrutínio popular e não o contrário, por isso o Estado não pode permitir que um qualquer programa pugne pela alteração dessa realidade institucional e da sua obrigação constitucional. O Estado tem que vigiar os efeitos secundários do referido programa, designadamente se a sua virtuosidade, porventura, se estará ou não a provocar e a garantir a mobilidade social sustentável? Se isso não está a acontecer importa reconverter esses mesmo programa, pois o dinheiro que se gasta nesse programa se reconvertido em capital reprodutivo: i) Permitiria adoptar um valor para o salário mínimo nacional e normalizar as condições de trabalho, assim como garantir o financiamento duma relação económica saudável entre todos os agentes económicos e sociais – travando a especulação gratuita, combatendo a corrupção e o lucro fácil e a desresponsabilização do Estado, das Empresas e do Capital s; ii) Permitiria, ainda, fazer com que as prestações sociais de solidariedade existentes no País, deixassem de assumir a natureza de esmola pública, ou de dádiva dos Governos, mas sim vistos como um direito fundamental e fossem 50% do valor do salário mínimo legalmente constituído e a adopção de um rendimento mínimo garantido para todos os activos desempregados através da criação de um fundo de desemprego, mitigado com um programa nacional de ensino e formação profissional que responda as demandas de emprego; iii) Permitiria assumir metas concretas para adopção dessas medidas de politicas no OGE (Orçamento Geral de Estado) para o ano de 2008; iv) Permitira ainda fazer com que todos os cidadãos em Cabo Verde e na diáspora passassem a ter identidade fiscal, no sentido de sermos todos contribuintes líquidos e sujeito de impostos, independentemente da nossa condição socio-económica.

Para dar o verdadeiro combate a pobreza não me parece existir outro caminho que não seja esse, por isso defenderia que tais reformas fossem desenvolvidas por via de Acordos de Regime entre o MPD e o PAICV, permitindo um compromisso por mais que uma legislatura, renovando o diálogo social e politico com a sociedade, corrigindo os defeitos de uma ideologia estatisante que está em contra - mão com aquilo que a própria Constituição defende e com o sentido das oportunidades que grassam pelo País adentro e que tendem a antagonizar-se com os efeitos do Programa da Luta Contra a pobreza. Pensar que é possível qualificar a nossa democracia e desenvolver o País com quase metade da população fora do circuito económico, com a diáspora sem presença fiscal no País e com o sector informal com um peso enorme na economia, com um Estado que não se sente responsável perante a sociedade e, entretanto, que afirma combater a pobreza e por via disso furtar-se à salvaguarda do direito fundamental dos cidadãos, é uma violência moral contra a cidadania: amiúde, pode dizer-se que o Estado desenvolve uma cultura de arrogância perante os cidadãos que urge eliminar e como ensina o Professor Paulo Sacs. “Essa cultura obstrui a própria liberdade porque impede a mobilidade social e impede os indivíduos de se respirarem livremente ”.

A pobreza enquanto forma de ameaça, não é e nem pode ser considerada, apenas coisa dos pobres. Ela ao ganhar raízes profundas na sociedade assume proporções que terão que ver directamente com a cultura de dependências existentes e celebradas por todo o País também pela classe média e pelas elites: alias, uma elite e uma classe média que na sua configuração sociológica e antropológica surgem, também elas, dependentes do Estado e não se assumem como uma elite e uma classe média na verdadeira expressão do termo e acabam sendo uma extensão dessa omnipresença do Estado. Ouso observar que a nossa elite e a nossa classe média desenvolvem uma estranha relação de dependência com o Estado, embora, muitas vezes, pretendam nega-la. Essa dependência estranha da elite e da classe média cabo-verdiana residentes no País, em relação ao Estado, leva-nos a concluir que não se está perante a pobreza apenas e tão só quando se está em face de penúrias económicas. Está-se também perante condição agravada de pobreza quando estamos perante dependências culturais, ideológicas e intelectuais das elites e da classe média. Isso é também uma forma de manifestação da pobreza.

Não existe combate a pobreza determinado e sério que não tenha por base a ideia de representatividade fiscal dos seus beneficiários. De contrário quaisquer outras iniciativas são de efeito nulo a longo prazo. São os impostos que dão razão financeira e o carácter material das relações entre o Estado e os Cidadãos e é por via de títulos de impostos que se estabelece a relação formal entre o Estado e os cidadãos. Daí que se os cidadãos são pobres e não podem pagar impostos significa isso que o Estado acaba por perder uma parte importante de receitas e tem sempre dificuldades em orçamentar as despesas, ao que algum sentido faz quando o Estado adopte medidas de politicas que apontem para integração fiscal das pessoas, por via de atribuição de posse económico aos cidadãos, de modo que na fase subsequente esses mesmos cidadãos, que hoje são desprovidos de rendimentos, possam ser titulares líquidos de impostos, garantindo, por via da identidade fiscal, e de forma definitiva a sua mobilidade social.
Termino como comecei o fenómeno da pobreza em Cabo Verde faz parte da essência da nossa sociedade, mais é também um dos maiores desafios do Estado de Direito Democrático.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Relatório de análise Social “sobre dissidências em Cabo Verde”: “UMA REFLEXÃO SOBRE A SOCIEDADE CABO-VERDIANA

Qualquer analista atento olha para a sociedade cabo-verdiana e não temeria concluir-se que ela se caracteriza por ser uma sociedade - tipo sociedade em mudança e em transição, que acumula excelentes resultados no capítulo do índice de desenvolvimento humano, que parece, não obstante, estar anestesiada por um tempo de “ressaca pós dissidências de tipo sócio-orgânicas, ocorridas nos últimos 15 anos, que acabou por impor uma ordem social e politica segmentada ao País e que transformou a sociedade cabo-verdiana numa “sociedade de minorias”, profundamente dependente do Estado, agravada pela condição estrutural de um Pais descontínuo e diasporizado. A segmentação, que se transformou numa malha política e social complicada, gerida ao milímetro por quem tem vindo a tirar partido ganhador dessa realidade, atingiu a própria Igreja Católica (maior instituição do País) que acaba também ela, dividida de forma insólita, em dois dioceses, com dois Bispos, quando o numero de católicos no País não justificaria a adopção de duas Dioceses. Estará também a Igreja Católica cometida a submergir nessa realidade , de forma inconsciente e sem querer se deixar ser contagiada por um esquema de dividir para reinar, que vem da epoca colonial e que parece estar submetida a uma estratégia de segmentação de um País, que já é insular, ditado pelos fantasmas revolucionários, da ideia de que quanto mais divisível for melhor em contraponto com a necessidade de geração de consensos e os fantasmas dos nacionalismos surgidos na esfera do poder, repetidas nos ditos segmentos sociais minoritários, que em Cabo Verde parecem ter sobrevivido e permanecem, na nossa opinião, como um perigo para a estabilidade social?

Podemos ser tomados por alguma injustiça de análise do ponto de vista histórico, mas acreditamos que a Igreja Católica, sendo sábia, não se deixará subemergir por qualquer estratégia temporal adoptada, inclusivamente para a recuperação do poder, pois ela cumpre sua própria estratégia e tem como objectivo de servir todos os homens e mulheres. Mas, em Cabo Verde o tempo da Igreja Católica parece, estranhamente, coincidir com a expressão constituinte do esquema, que se pretende seja cultura, de dividir para reinar, ao que dá a ideia de ter-se perdido aquela dimensão extra-temporal, permitindo, em vez de se reforçar a Diocese de Cabo Verde, com mais um Bispo e um Cardeal, preferir-se pela designação de mais uma Diocese, faltando, no entanto, compor-se a pirâmide que confere plenitude a Igreja Católica de Cabo Verde, atribuindo-lhe maior capacidade de decisão local, nomeando um Cardeal. O centralidade cultural, politica e institucional do País deve ser perseguida. De maneira que discussão sobre uma matéria que, ao longo dos 30 anos de independência assumiu, entre outras coisas, características de fenómeno de poder e ameaça sistémica, marcada pelo binómio “negação/renovação”, ora com características positivas, porque com sentido de oportunidades e assumidas pela maioria; ora negativas e às vezes perversas e colidentes com o próprio sentido de interesse nacional - verifica-se, com preocupação, que esse dado parece subsistir hoje, como realidade cultural e política relevante das nossas Ilhas, porque marca para o bem e para o mal o País moderno que pretendemos construir, estando na base das nossas assaz dificuldades de gestação de consensos, na gestão dos assuntos de Estado e inclusive na gestão de estratégias das mais variadas organizações societárias, cooperativas e associativas (…) impondo medos diversos a diversos níveis que na nossa perspectiva são pontos fracos e fortes de uma sociedade em mudança, pela grande possibilidade que apresenta de albergar os instintos culturais da própria mudança. [Banks, J. & Banks C. (eds.).(2004). Education - issues and perspectives. John Wiley and Sons].

Discutir a problemática de dissidência é procurar entendê-la enquanto forma de afirmar uma negação (…) pois, enquanto tal, é quase sempre, assumidamente, um passo, fora de comum que contraria a ordem vigente e representa uma forma de cúmulo e/ou de exagero em que os próprios dissidentes assumem, eles próprios, um caminho diverso do caminho da maioria; quase nunca se ajustam aos meios disponíveis [negando-se a si próprios], mormente quando pretendem impor-se, enquanto minoria, presumindo-se poder fazê-lo. Entretanto, sabe-se do manual que a “democracia existe para defender as minorias, mas quem deve assumir as consequências decorrentes da defesa dos interesses minoritários é a maioria, que detém todos os meios materiais e espirituais, não a minoria que nunca estará em condições de assumir tais consequências”. Entra também nas derivações possíveis e relacionáveis com a presente reflexão a questão da dissidência do Estado; o “conceito do proto-Estado”, a ideia do “Estado e Sociedades párias” [Estados e Sociedades não plenamente emancipadas], enquanto fautores da instabilidade social, política e económica, na opinião de Remi Kanazi.

DISSIDÊNCIA: TRAÇO CULTURAL CABO-VERDIANO

Nas sociedades contemporâneas, constituídas por subsistemas, dificilmente se encontram realidades sociais e políticas em que dissidências inorgânicas, quando ingenuamente incorporadas, não interponham alterações brutais às organizações, na medida em que quase nunca acontece que dissidências dessa natureza, incorporadas numa organização, se numa posição de liderança, assumam a totalidade da natureza da organização, sem ocorrerem riscos de desvios dos elementos fundiários da própria organização. As dissidências, especialmente as inorgânicas, quando incorporadas numa estrutura, sem cedências, convocam as minorias, que por seu turno nunca assumem as consequências que resultam da defesa do seu próprio interesse: tais consequências devem ser assumidas pela maioria, que dispõe de recursos para o efeito. Passe o jargão académico de “sociedade em construção e em mudança”, o fenómeno da dissidência na nossa sociedade parece constituir-se numa das nossas marcas.

Certos autores designam-no de “pontualismo social”; parece ser uma das características do cabo-verdiano, sendo por demais evidente que é quiçá por causa disso que adoramos imitar e raras vezes conseguimos preservar um segredo; somos parcos em solenidades e naturalmente informal; o nosso sentido de confidencialidade é sempre relativo; guardamos o que se chama segredo público; o que toda gente já sabe, vai saber ou tem que saber; e somos instáveis, frágeis nas convicções e muito pouco solidários. Portanto, o cabo-verdiano, é a sua idiossincrasia um dos maiores desafios do nosso capital social. Concorde-se ou não, a dissidência, enquanto traço social e cultural do cabo-verdiano, parece ter vindo do período colonial [não se trata de uma realidade social manifestada e vivida apenas no período pôs independência]. Hoje revela-se através do medo de falar; do anacrónico “toma cuidado” com isto e/ou com aquilo através de uma relativa sofisticação imposta pelo medo de falar e de discutir soberanamente.

Tais marcas, apesar de tudo, têm conhecido um difícil processo de “inscrição” cultural, [já agora citando José Gil] e têm sido nulas na acumulação de novos valores, em termos mesmo de regeneração de possibilidades de influenciar a mudança do nosso comportamento social colectivo. Hoje parece claro que existe um receio sepulcral e medos repugnantes na sociedade cabo-verdiana, que urge combater e anular. Em Santiago, mais concretamente na cidade da Praia e ainda mais a nível da classe média aí instalada, esse medo é ainda maior, porque aí é sabiamente gerido pelos diversos poderes constituídos e pelos micro-interesses que mutatis mutandi atravessam toda a sociedade praiense, inclusive a sociedade política, e depois reduz o próprio espaço de expressão democrática. Tornou-se vulgar dizer-se: se você falar de política, alguém dir-lhe-á tem cuidado! E claro está, quando assim é, manda o bom senso, que se deve ter mesmo cuidado! Mas convenhamos que é definitivamente uma forma de pontuar o medo.

O MEDO DOS CONTRA-CICLOS

Para nós, é a mentalidade de dissidência e de revolta revolucionária que nos força a tal comportamento, pelo que ela deveria sugerir melhor atenção das elites do País, pois faz parte já do traço característico da forma como vivemos e como gerimos o nosso espaço público, reduzindo as dinâmicas de acumulação de memórias sociais [os saberes e as aprendizagens], estando sistematicamente a forçar o medo de aparecimento do “contra ciclo” inevitável à mudança. Precisamos, pois, de mais maturidade e de encontrar um denominador cultural comum e seu ponto de partida referencial, de não retorno (a ideia de fundo, como dizia Renato Cardoso), para nos transformarmos num povo que produz cultura para o desenvolvimento, sem dissidências; que seja veículo transparente dos sistemas de poderes; produto estratégico capaz de anular todas as tensões sociais [contra todas as imitações ou cópias indevidas de produtos culturais e/ou pirataria] prejudiciais na afirmação dos segmentos sociais mais frágeis da nossa sociedade, a partir das periferias de cada uma das nossas ilhas, no conjunto do País e na emigração (diáspora).

Outrossim há que dizer que tais guinadas, que certos Antropólogos dizem configurar-se nas características das “proto-sociedades”, parecendo estar na origem do modo desagregado como os cabo-verdianos assumem o seu destino, tem atrapalhado a construção dos grandes consensos nacionais: às vezes temos um caminho, mas não sabemos onde vai dar esse mesmo caminho, ou melhor - onde termina, apenas por falta de consensos. Assim sendo, em Cabo Verde a dissidência cultural, política, económica, social e religiosa, embora não publicamente expressa, manifesta-se involuntariamente em todos nós, podendo ser assumida, sem grandes riscos de erro, como um dado identitário da cabo-verdianidade, traço de fundo da forma como pensamos, como agimos e como olhamos o País e resto do mundo. A problemática da “protodissidência” na abordagem de “Fukuyama” ou comportamento que os Psicólogos chamam de “imitativo”, monitoriza sistematicamente o medo, porque parcial, às vezes manifesta-se de forma totalitária, com feição liderante aqui ou ali, podendo ser poder a qualquer instante, produzindo receios múltiplos e medos da contraposição, matando o poder do diálogo, do debate, da discussão e dos pluralismos orgânicos que regulam a vida nas sociedades democráticas (…), “diminuindo os anseios aplicativos da liberdade e de livre acesso aos sistemas garantísticos estabelecidos, por parte dos indivíduos”, como afirma Le Winter no seu livro “Democracia e Nacionalismo”.

A dissidência é uma forma da manifestação do medo de dialogar, de ceder, de perder e de ganhar e nada mais na perspectiva de Rene Dumond Sociólogo Francês.
Esses medos, que por razões de insegurança urbana se recrudescem entre nós, vão-se tornando em medos subjectivos gerais, sociais, económicos, políticos e culturais de índole sistémico, tendem a ser inultrapassáveis. Castra a iniciativa privada e mata o empreendedorismo. Tendem de forma gravosa a impedir o País de agigantar-se na criação de instâncias de acumulação de consensos e de novos valores, introduzindo a desconfiança, condicionando, em definitivo, o nosso modo de vida, porque redutor do nosso espaço público de referência - citando de novo José Gil, (..) urge considerar a inscrição dos processos de dissidências ocorridos ao longo da história em Cabo Verde, “para se poder chegar ao necessário catarse, impedindo que elas se transformem em formas de combate político na conquista ou manutenção no poder”.

O pressuposto é valido. Mas, sendo as dissidências manifestações gregárias de um grupo. as suas verdades tendem a não se aculturarem, a não ser que se dê benefício de dúvida que são acções positivas, desejadas pela maioria, que assumem de pronto as suas consequências e sejam assumidas como atitudes de poder em prol de uma qualquer maioria social, económica ou cultural, porque com dinâmicas positivas: aí, sim, vinga e devem ocorrer processos de “inscrições”: De contrário, pode ser considerado que as dissidências são acções de consequências nulas a longo prazo e sem estéticas etimológicas [Castells, M.(2002). A sociedade em rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian].

A DISSIDÊNCIA TEVE SEMPRE EFEITOS POSITIVOS

Em Cabo Verde, os actos dissidentes conhecidos [todos], quando incorporados como cultura de maioria, tiveram efeitos positivos conjunturais no médio prazo, embora novas manifestações de dissidências tenham ocorrido, sempre, na ponta final desse médio e longo prazo, quando as consequências dessas manifestações dissidentes deveriam estar, presumivelmente, consolidadas, pois estamos em face duma sociedade em mudanças. São as dissidências não inscritas que têm sido de consequências nulas, porque postulam marginalizações e isso não é bom para o fomento da pluralidade e, logo, mata o consenso na diferença, sobretudo num país pequeno como o nosso, onde as pessoas são indissoluvelmente marcadas por razões da sua opinião politica e preferências partidárias.

Do ponto de vista político, discutir a problemática de dissidências em Cabo Verde é, antes de tudo, pôr o dedo na ferida; para evitar mal maior; é terapia a adopção de uma cultura de negociação, cedências mútuas; como ensino René Dumond, em democracia “as vitórias e derrotas são sempre relativas, não existindo nem derrotas e nem vitórias definitivas e há derrotas que são autênticas vitórias”, parecendo evidente que é a alimentação da cultura de dissidências não inscritas o grande responsável pelas exiguidades das grandes causas nacionais e pelos nossos fracassos. A questão é complexa. Há que reconhecer. Por isso, sua discussão em forma de relatório social, pois parece que a tendência hoje é do seu ressurgimento, agravada pela tradição oral do povo, pela ileteracia cultural que, quando no poder, divide para poder reinar; esconde fragilidades diversas; amesquinha o indivíduo e gere o quotidiano do medo por via da ditadura do silêncio, através do “reducionismo dos espaços públicos” e de um rentismo cultural anti-desenvolvimento. Uma espécie de ângulo zero na acumulação dos valores. Combater dissidências é, antes de tudo, exercer a democracia, fazer valer o exercício da liberdade, gerir a própria liberdade como recomendava Fernando Pessoa na sua tese sobre liberalismo: “ deixar o individuo pensar o que quiser, dizer como e quando puder, no estrito termo do respeito pelo seu semelhante de pensar o que quiser e dizer como e quando puder”.

Assim, podemos devagarinho assumir as dissidências como opções das maiorias sociais que, ocorridas, pontualizam a nossa cultura com o que, aliás, de mais nobre têm os cabo-verdianos: a soberania do seu individualismo; a sua noção de propriedade; a soberania do seu pensamento livre; a sua relação com as dificuldades e com o sucesso; a sua capacidade de convocar parte do todo e a essência do todo; no fundo, a sua relação com a vida - e assim daremos “cheque mate” nos risco de dissidências e seremos mais unidos, mais coesos, mais conciliadores e muito mais fortes.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O artigo 61º da CRCV, diz que o Estado deve desenvolver mecanismos legais que levem a adopção do salário mínimo nacional em Cabo Verde.


Amanhã, Sábado, é 13 de Janeiro (p.f.) dia da liberdade e da democracia em Cabo Verde: uma data memorável que remonta 13 de Janeiro de 1991, dia em que, pela primeira vez, os Cabo-verdianos foram às urnas e escolheram a democracia e o sistema político pluripartidário de base parlamentar. Nesta ocasião, deveríamos, todos, fazer um esforço e levar com que os Cabo-verdianos, no país e na emigração, meditassem profundamente sobre o impacto da democracia nas suas vidas e deveríamos eleger como tema para essa meditação, aquilo que ainda mais dói entre nós: o fenómeno da pobreza em Cabo Verde.

A pobreza em Cabo Verde ganha fóruns estruturais, na medida em que mais de 20 mil famílias cabo-verdianas residentes no País e outros milhares residentes na diáspora permanecem fora do circuito económico, isto é permanecem pobres ou muito pobres, sem quaisquer referências fiscais com impacte não devidamente mensurado nas contas públicas. Em boa verdade não se pode comemorar o dia da democracia e a liberdade em consciência, quando se sabe que subsistem mais de 130 mil cabo-verdianos, que sobrevivem abaixo do limiar da pobreza e vivem com menos de 120 escudos/dia.Em Cabo Verde aquilo que a pobreza representa de ameaça é evidente, ao que a pobreza deveria ser considerada preocupação de regime, importando-se que o Estado assumisse, sem constrangimentos de quaisquer espécie, uma ideologia social que integre economicamente e no processo de desenvolvimento as populações mais pobres de forma a que sejam também beneficiários do processo de desenvolvimento e não contribuírem para a formação do exercito de excluídos do País.

A pobreza permanece como uma ameaça real à liberdade e à democracia em Cabo Verde, visto que tende a invadir todos os sistemas garantísticos que a própria Constituição estabelece. Por conseguinte, há que pensar nessa camada de população mais pobre, produzindo mais e melhor democracia e mais liberdade para aquelas pessoas e mais integração económica dessas famílias, o que permitiria ultrapassar algumas dificuldades que o programa de luta contra a pobreza, em combatendo a pobreza, acaba, de forma pronunciada, por impor, através de introdução de uma nova forma de registo económico e social desses mesmos pobres, mantendo-os à parte e fora do sistema e na dependência do Estado e dos seus dirigentes. Com efeito parece oportuno, pensarmos que o país precisa produzir uma nova visão social, com ética, uma espécie de livro branco para a implementação de politicas públicas nos domínios sociais que responsabilizasse o Estado e fomentasse a solidariedade nacional por um lado, e, por outro lado, libertasse as populações das oscilações e tentações antidemocráticas do próprio Estado, numa perspectiva de integração desses pobres no sistema económico e fiscal do País, através de um novo modelo social que visa melhorar os mecanismos de redistribuição de rendimentos e da riqueza, em face dos desafios atípicos de uma sociedade em transição e das demandas sociais daí advenientes.

Os Governantes, a UCID o PAICV e o MPD, em especial e demais Partidos políticos e outras organizações da sociedade civil, deveriam produzir um acordo geral de regime para a eliminação da pobreza e produzir uma base moral na administração de todas as acções e recursos que conduzam a construção de soluções que não dependendo de terceiros e a partir dos nossos próprios meios e vontades e sob o tributo de solidariedade, contribuíssem, em definitivo, para abrir portas aos cabo-verdianos mais pobres de Santo Antão a Brava e da diáspora incluindo-os no caminho da riqueza e da capitalização, aumentando as prestações sociais de solidariedade existentes e através da aplicação de um critério económico sobre o valor do trabalho que impeça descriminação dos cabo-verdianos: é possível defender um novo paradigma para a politica social no país que, no fundo, impõe uma nova ordem de valor, para inverter a tendência da correlação negativa existente, entre o crescimento económico, o desenvolvimento económico o desemprego, a pobreza e a exclusão social.

Parece ser anormal haver crescimento económico, o aumento de desemprego e o agravamento das condições de vida das populações e logo da pobreza. A visão social a que nos referimos deveria, além de mais, vincular a verdade politica do sistema nacional de solidariedade social, adoptando alguns dos seus instrumentos, tais como a melhoria das prestações sociais e o salário mínimo nacional, como forma de valorização politica das condições de trabalho, das pessoas e das empresas e do capital social, perante a realidade imposta pela Constitução que aconselha a adopção do salário mínimo, que, no nosso entendimento, seria um antídoto contra pobreza e a exclusão social: a CRVC no seu artigo 61º, assim parece recomendar e afirmar peremptoriamente que o Estado deve desenvolver mecanismos legais que levem a adopção do salário mínimo nacional em Cabo Verde.

Essa sugestão constitucional que é vinculativa, fomenta a idealização de uma visão social moderna que permita geração de acordos de regime entre as forças parlamentares, visando eliminar de forma gradual e sustentável a pobreza e determinar os mecanismos de acesso ao rendimento dos mais pobres e vulneráveis: uma espécie de bloco central contra a pobreza, contra a exclusão social e em prol do desenvolvimento sustentável.

Pode-se recorrer a essa orientação Constitucional, para se defender o salário mínimo nacional, enquanto categoria de prestação social mais dignificante, que deveria ser entendido como instrumento vivo para vincar uma nova forma de se estar em politica (ser-se genuíno no estabelecimento das cordiais relações entre representantes e representados) e abrir o debate em torno da efectiva responsabilidade social do Estado e da protecção de que o Estado é devedor, por obrigação Constitucional, aos seus concidadãos?

1º) Porque o Estado de Cabo Verde precisa produzir uma ideologia social, que vá ao encontro dos imperativos de desenvolvimento e assumir uma posição definida em relação ao trabalho, impedindo que a solidariedade seja manipulada e transformada num regime de esmola nacional, através de uma politica remuneratória activa, em proporção directa do esforço nacional consentido na educação e na qualificação da sua população;

2º) Porque as prestações sociais recebidas, actualmente, pelas populações mais pobres, ou seja pelos ex-trabalhadores das FAIMO e do emprego público, hoje em idade de reforma, oriundos do segmento da população mais frágil da sociedade cabo-verdiana, são exíguas e deveriam, também elas, ser indexadas e definidas em função dos ganhos de produtividade da economia e dos ganhos de produtividade marginal do capital e ter a respectiva representação fiscal;

3º) Porque o Estado e as empresas deveriam partilhar responsabilidades sociais (tradição nos países em desenvolvimento), indexando as demais obrigações sociais públicas a jusante e a montante do valor do salário mínimo, de forma a corrigir os defeitos do mercado de trabalho e o fosso entre o salário praticado pelo Estado, pelas empresas, por outras entidades públicas e privadas e pelos projectos decorrentes da cooperação internacional;

4º) Porque atendendo que ainda subsistam no nosso país muitas famílias que fornecem mão-de-obra de forma indiferenciada para empregadas dos restaurantes, cafés e barres, empregadas doméstica, trabalhando dia e noite que ainda têm dificuldades em fazer as três refeições diárias, e que por conseguinte, por via do salário mínimo, passariam a ter direito a sexta básica, minimizando as suas privações sociais, sendo evidente, que estando um dos seus membros em idade activa e a trabalhar aufira um salário justo e compatível com as suas necessidades materiais;

5º) Porque é Constitucional, socialmente justo, economicamente possível e, sobretudo, porque é clarificador das relações do Estado com a sociedade e das relações entre os diferentes agentes económicos, e porque parece que a situação financeira do país o permita, podendo, desde logo, estimar como valor do salário mínimo, o valor mais baixo praticado pelo Estado a nível da Função Pública, num intervalo que pode ter como limite superior 17.950$00, cerca de 180 euros;

6º) Porque a adopção do salário mínimo nacional, atribuiria valor profissional aos Cabo-verdianos, que, por exemplo, quando decidissem emigrar, teriam possibilidades de comparar o que ganham lá fora, com o que ganhariam se estivessem a laborar no país e assim poderiam optar e medir os custos de oportunidades efectivos entre emigrar e ficar no país.

Por outro lado, a defesa do salário mínimo para o trabalhador e diferentes categorias profissionais ampliaria o comportamento solidário do Estado e permitiria mais transparência e seriedade na forma de combater a pobreza, permitindo reconhecer que:

1) A pobreza representa privações aos bens materiais e espirituais das pessoas, pelo que diminui a própria liberdade dos indivíduos que, sendo pobres não conseguem materializar as suas legitimas ambições, nem manifestar-se com liberdade, porque lhes faltam recursos, coisa que nenhum Estado de direito democrático deveria ignorar, especialmente nos seus dias oficiais de comemorações de liberdades e democracias;

2) A pobreza, enquanto expressão da ausência de rendimentos é uma antinomia à cidadania, visto que influencia negativamente o comportamento democrático das pessoas, abrindo espaços para as manipulações, na medida em que permite surgimento de um conjunto de situações de dependências, sendo, de per si, uma das mais graves limitações ao exercício pleno da democracia em Cabo Verde, ao que se recomenda que se deve: i) Estabelecer um sistema de salários mínimos que proteja todos os assalariados cujas condições de trabalho forem tais que seria aconselhável assegurar-lhes protecção legal; ii) Dar força de lei aos sistemas remuneratórios, impedindo que os salários fossem diminuídos e que a não-aceitação do salário legal acarretariam sanções; iii) Fazer com que o valor do salário mínimo seja baseado nas necessidades dos trabalhadores e de suas famílias, tendo em vista o nível geral de salários no país, o custo de vida, as prestações sociais existentes, e factores de ordem económica, inclusive as exigências de desenvolvimento económico.

3. O salário mínimo pode ser perfeitamente compatibilizado, enquanto instrumento de integração social, com os objectivos do milénio proposto pela ONU e que Cabo Verde pretende cumprir a breve trecho e assim podemos sonhar todos no dia 13 de Janeiro (p.f) que a pobreza um dia será definitivamente eliminada do nosso País, fazendo o que a CRCV indica como orientação politica substancial (...) "que o Estado deve desencadear os mecanismos legais que levem a adopção do salário mínimo nacional".

sábado, 6 de janeiro de 2007

O mundo enfrenta um novo tempo, onde as incertezas tendem a aumentar.

Continuação da II Parte: O mundo enfrenta um novo tempo, onde as incertezas tendem a aumentar.

O mundo enfrenta um novo tempo, onde as incertezas tendem a aumentar. O Povo continua a emigrar para destinos incertos, pois entende que não realiza as suas expectativas ficando no País. Não se estando a administrar nenhuma política para inverter a situação (que tem, de todo, implicações profundas do ponto de vista demográfico, como demonstrado no intróito da presente recensão), porque não existe consciência plena do fenómeno ou porque ainda persiste a ideia errada de que, sempre que sair um cabo-verdiano, o País sai a ganhar, o Estado numa cumplicidade relacional com a sociedade permite que os cabo-verdianos emigrem, muitas vezes, de forma “corrompida” e de forma aventureira para destinos completamente incertos. Como fica demonstrado, o País sai a perder quando um cidadão decide emigrar, sobretudo se o fizer de forma aventureira e sem nenhum tipo de enquadramento profissional contemporaneamente estabelecido e que o aguarde no País de acolhimento.

O artigo deveria discutir "a Nação Cabo-verdiana, a Emigração e a Responsabilidade do Estado", pois nele se reafirma-se que na verdade o País sai a perder quando um cidadão decide emigrar. Estamos a falar de perdas socio-económicas, culturais e demográficas relevantes, que carecem de medição e que reclamam por uma maior responsabilidades do Estado. Acrescem-se que o debate deveria repousar-se na análise dos custos económicos da decisão de emigrar e das suas consequências no conjunto das famílias cabo-verdianas e para o Pais, num cenário de contrapartidas económicas que isso representa.

Desde logo, (i) Na maioria dos casos, quem emigra, de forma voluntária, contrai uma dívida também voluntaria, a montante ou a jusante, muitas vezes exagerada, para adquirir o título de transportes incluindo os custos directos e indirectos do pedido de vistos e de toda papelada (c/ pagamentos indevidos), sem contar com o processo de acolhimento e de instalação que na maioria dos casos não coincidem com as expectativas inicialmente formuladas; (ii) O cidadão que decide emigrar deixa o seu agregado familiar. E se for um chefe de família transfere a educação dos filhos para a mãe (com todos os custos que isso representa), se o não for deixa um vazio junto da sua família em vários aspectos - as vezes é o membro da família mais activo que detém sobre os seus ombros a responsabilidade de sustentar a família - aquele que trabalha no emprego para o sustento da família; as vezes, é aquele que recebeu mais investimentos da família em termos educacionais e alguma formação profissional e logo o mais empreendedor. Portanto, a família perde um dos seus activos, muitas vezes, aquele no qual mais se investiu, mas também perde um dos seus agregados económicos de maior valia.

O somatório de todas as famílias com membros que se emigraram nestas condições perfazem um importante número de famílias cabo-verdianas, que por seu turno acumulam custos socio-económicos significativos. (iii) Em terceiro lugar, aquela família directa e o País indirectamente deixam de poder contar durante um certo tempo ou definitivamente com aquele cidadão (existe um período de graça que normalmente se concede ao emigrante, que coincide presumivelmente com o período de instalação no País de acolhimento) e se tudo correr bem, haverá uma correspondência que tendera na proporção do esforço socio-económico realizado pela família com a sua saída, que nos primeiros tempos é cumprido de forma escrupuloso; Dependendo do sucesso e/ou de insucesso desse emigrante esse período é aumentado e nasce aí um vinculo renovado com a família, de contrário simplesmente desaparece, já que desaparece também a possibilidade de honrar os compromissos inicialmente assumidos na origem - com o consequente risco de desvinculação ou ruptura, provocado, alias, por uma censura familiar, que dificilmente aceita como natural o facto do emigrante não ter sido bem sucedido na emigração; (iv) Quando um cidadão emigra do País, o seu espaço social, cultural e sobretudo o seu espaço socio-económico dificilmente é preenchido.

Ocorre com esse cidadão o que os sociólogos chamam de mobilidade horizontal, isto é o seu estatuto perante a família altera-se dentro da própria família. Se ele for bem sucedido na emigração esse estatuto altera-se para melhor e se não for bem sucedido o seu estatuto altera-se para pior e as vezes ocorre a ruptura final. Estas questões teriam menor possibilidades de ocorrência se o cidadão permanecesse no Pais ou se emigrasse num quadro de maior planeamento do Estado, já que a emigração permanece como uma das alternativas económicas do Pais a que o cidadão mais se recorre, clamando por essa responsabilidade do Estado.

Contrariar o fenómeno da emigração implica acreditar na “democracia do nosso modo de vida”, demonstrá-la, construí-la e resgatá-la todos os dias, como fonte de inspiração de todas as liberdades civis, políticas, económicas e culturais sonhadas para a Nação cabo-verdiana, e responsabilizar a sociedade e o Estado pelo fenómeno. Acreditando nas mudanças que importa imprimir ao País, podemos, com esforço, sim, devolver a ambição às pessoas; a crença de que é bom e vale a pena ser cabo-verdiano e viver em Cabo Verde; a esperança de que em Cabo Verde é também possível construir as suas vidas.

Apesar do País ser pequeno e com parcos recursos, podemos dizer aos nossos conterrâneos que Cabo Verde possui, na verdade, uma posição geo-estratégica no Atlântico Médio relevante, e tirando partido dessa “posição geo-estratégica”, pode, investindo na força de uma visão personalista de Estado (em que o homem se coloca no centro de tudo), inverter fenómenos que, ao longo de séculos, têm delapidado demograficamente a nossa terra: há que levar o País a assumir que na base da emigração cabo-verdiana existe um “voluntarismo individual” e uma decisão económica explícita que urge, do ponto de vista político, regular porque tendo custos sociais, económicos, políticos e culturais extremamente elevados para o País.

PARA OBSERVAR E RESPONDER A PERGUNTA ANTERIOR IMPORTA DIZER QUE

CONTINUAÇÂO DA PRIMEIRA PARTE: PARA OBSERVAR E RESPONDER A PERGUNTA ANTERIOR IMPORTA DIZER QUE

A melhor leitura que se pode fazer hoje do fenómeno da Diáspora (expressão utilizada para caracterizar a emigração cabo-verdiana) é aquela que permita caldear ”a visão que resulta do desconhecimento dessa realidade e da conflitualidade potencial que isso representa, actualmente vísivel e liderada até pelas estruturas do Estado Central, a favor de um novo paradigma que envolve estudos e conhecimentos dessa realidade no sentido da coesão, face a necessária cominação estratégica entre residentes e não residentes”, enquanto pólo demográfico, que se complementam entre si na formação da base produtiva do País, essencial para Cabo Verde, em prol do desenvolvimento sustentável, por forma a gerar entendimentos novos sobre a matéria, projectando uma compreensão transversal, “constitucionalizante” a favor da incorporação dos não residentes no todo nacional.

A discussão destas e outras matérias relacionáveis não é pacífica, mas é de bom-tom que ela se desenvolva em redor da integração da Diáspora e dos seus recursos no circuito económico do País. O argumento é muito forte, constituindo um dos agregados do nosso saldo com o exterior que, numa perspectiva económica e contabilística, encerraria um modelo económico centrado no terceiro sector. Cabo Verde está a demorar muito tempo na compreensão dos fenómenos que ocorrem no seio da sua Diáspora e o que isso representa para o seu desenvolvimento, as suas ameaças e as suas oportunidades. No fundo, as vantagens e as desvantagens de uma “Nação diasporizada” são, hoje, completamente ignoradas, quedando-se pelos remédios de instituições cuja missão está completamente em de sintonia com essa mesma realidade. Cabo Verde aborda de forma deficiente o problema.

E a ideia de Nação Global (in programa do VII Governo Constitucional), podendo ser entendida como uma forma evoluída da “diasporicidade”, num contexto de uma nova “ética da Diáspora” e do País no relacionamento com outros povos e nações, não assume, nem reflecte, uma posição definida do País face à questão, e nem é sustentado em qualquer estudo relevante, perante a existência de um conflito potencial indefinido entre o País e sua Diáspora. O diagnóstico aponta-nos para a existência de um campo “virgem” de recursos materiais, financeiros e espirituais ainda não explorados, especialmente face à ética da globalização e perante mutações diferenciadas de natureza universal.

Os “não-residentes” ainda não assumiram um perfil de exigências para com o País ou porque saíram há muito tempo do mesmo, ou porque deixaram de ter qualquer “centro de interesse económico” relevante em Cabo Verde, estando, por isso, completamente desnaturalizados com a sua realidade, preferindo conservar as últimas memórias que conseguem reproduzir do Pais, memórias essas conservadoras e, às vezes, envelhecidas em relação à realidade política, económica e social do País que, por seu turno, está em constante progresso e em transformações.

Os “residentes” que postularam uma série de reformas constitucionais, podendo, subsidiariamente, ceder alguma capacidade reivindicativa dos não-residentes, escondem-se por detrás dessa reforma, porque entendem que o facto de terem ficado no País, e nunca dele emigrarem, ou porque emigraram mas voltaram mais cedo, julgam ser os depositários da razão da Nação e arrogam-se no direito de as determinar, excluindo os não-residentes. É aí que, na nossa opinião, reside esse conflito que assume um carácter estrutural estratégico, a que nos referíamos no início do texto, e que clama por uma resolução, por uma maior responsabilidade do Estado.

Esse conflito tende a agravar-se se o sistema político não compreender tal fenómeno e não assumir que é necessário introduzir reformas profundas e fixar fronteiras para essa conflitual idade, para que o País as possa prevenir, enquadrar e dirimir. A ameaça é real e não pode ser escamoteada. Nem a sociedade cabo-verdiana, nem o Estado de Cabo Verde devem aliar-se dessa questão, hoje considerada crucial para a unidade e coesão da Nação Cabo-verdiana nas Ilhas e nos quatro cantos do mundo.

Primeira parte: Estudo Prospectivo sobre Emigração Cabo-verdiana.

Primeira parte: Estudo Prospectivo sobre Emigração Cabo-verdiana.

Primeira parte: Estudo Prospectivo sobre Emigração Cabo-verdiana. Diz-se que para cada três cabo-verdiano residentes em Cabo Verde, dois outros vivem na Diáspora (emigração). O número oficial dos cabo-verdianos a residirem na Diáspora totaliza 517,780 indivíduos. A população residente nas ilhas em 2006 é de 484.904 (2006) e estima-se que em 2020 Cabo Verde terá uma população residente de 629.833 (2020) indivíduos; a população total de Cabo Verde [residentes e n/ residentes] totaliza, actualmente, 1.002.684 Indivíduos. Se fosse possível utilizar a “intuição estatística” e se essa intuição estivesse próxima da realidade, significaria que poderíamos, por hipótese académica, gerar um limite superior multiplicando os actuais 484,904 indivíduos residentes (nº oficiais) por dois, e assim obteríamos uma estimativa de 969,808 indivíduos a residir na Diáspora, factualmente: se a “intuição estatística” se mantiver com a mesma proporção, em 2020 Cabo Verde terá uma população não residente estimada em mais de 1.259,666 indivíduos.

Em 2020, a população total de Cabo Verde (base residente e n/residente) totalizaria 1.889.499 Indivíduos. Isto significa que o saldo líquido do crescimento demográfico que se apresenta, pode a estar carecer in illo tempora de ponderação estatística, tendo em conta a realidade migratória do País, em contraponto com o saldo do crescimento natural da população, a partir do conhecimento real do número de indivíduos que anualmente saem do País (n.d), com objectivo de emigrar. Em face dos actuais indicadores de estatística económica, pode estimar-se que os emigrantes contribuem com cerca de 20 a 30% da riqueza nacional, isto é, 20 a 30% do PIB, embora se pense que essa percentagem seja maior. E se relacionarmos esses 20 a 30% com a totalidade de indivíduos residentes no País e na emigração, 200.536,8 a 300.805,2 indivíduos mantêm presentemente e de forma regular o seu centro de interesse económico em Cabo Verde. Este número poderá estar a aproximar-se, curiosamente, por excesso ou por defeito, dos números registados nos nossos consulados no exterior e representam o limite superior contemporâneo por onde poderá crescer o número de eleitores não residentes inscritos para efeitos eleitorais, hoje, constituído por 52 mil indivíduos nos três círculos eleitorais, Europa e Resto Mundo, América e Africa.

Grosso modo e sem grande rigor estatístico, fazendo um simples exercício, somando o número actual da população residente (484.904) com o número total de indivíduos (% estimada) que residindo na Diáspora se mantém com um centro de interesse económico em Cabo Verde (usando o limite inferior dessa estimativa), esse número seria de 200.536,8 indivíduos. A base social e produtiva do País parece então estar assegurada por um total de 685.440,9 indivíduos (não desagregando a população activa da população total). De uma forma grosseira e especulando um pouco, o Estado de Cabo Verde desconhece o paradeiro de 317.243,1 cidadãos seus que, do ponto de vista estatístico, não têm quaisquer interesses relevantes em Cabo Verde e não mantêm quaisquer ligações com Cabo Verde. Porquanto, esse Estado deve assumir, com preocupação, a obrigatoriedade de procurar saber, por via de um recenseamento geral da população (base de apoio residentes e n/residentes) onde estão todos os emigrantes cabo-verdianos, como estão e o que fazem, com uma preocupação clara de identificar os mais de 317.243,1 cabo-verdianos que, pelas estatísticas, não mantêm nenhuma ligação regular com Cabo Verde e podem estar a fazer de população que se diluiu demograficamente nos Países de acolhimento, fazendo parte de uma população móvel mundial, sem quaisquer identidades com o Pais e que, do ponto de vista estratégico, poderia ser fundamental para Cabo Verde neste novo tempo. As responsabilidades e as irresponsabilidades do Estado e da sociedade começam nesse desconhecimento.

Como resolver o problema?