terça-feira, 29 de março de 2011

Discurso sobre o Estado necessário

Desde a independência a estrutura de Estado, a administração directa ou indirectamente, tem vindo a suscitar discussões entre políticos, partidos e sociedade civil. Os debates, mesmo os políticos, têm projectado a dicotomia entre a ideia "mais Estado" versus a ideia de "menor Estado", no pressuposto de que com mais Estado quer-se dizer "Estado-gordo", pouco eficiente, enquanto que "menor Estado" quer-se dizer Estado com poucas instituições - um Estado eficiente, que consome menos recursos públicos e disponibiliza parte desses recursos para a sociedade. Associada à questão da natureza do Estado (menos e mais Estado) que queremos ter em Cabo Verde, todos falam ou falaram já de "reforma do Estado", ancorando o discurso de um Estado necessário, adequado às condições do país. Para mim, o Estado de Cabo Verde deve ser um "Estado necessário", sim, sendo um Estado mínimo, com poucas instituições, eficiente, que projecta uma orgânica simples, percepectivel aos olhos dos cidadãos, ao mesmo tempo que conserva a memória, que não muda, só por mudar, mas que jamais recusa a ideia de mudança quando necessário e inevitável, ajustando tais mudanças ou essas reformas aos objectivos de curto, médio e longo prazo em direcção à ideia de estabilidade, onde, por exemplo, a constitucionalização dos ministérios, designadamente os da soberania possam assumir-se como valor nuclear no arranque para a formação do Estado e da sua natureza. Poderíamos estar muito longe a discutir o tema, pois nessa perspectiva, já se criaram até ministério com o nome de ministério de reforma do Estado, para ver se é desta ou daquela vez que encontraremos o Estado que queremos. Ainda assim propomo-nos fazer mudanças que não muda nada. Não existiu nenhum governo desde 1975, que não incluísse, no seu programa, a ideia-força de reforma do Estado e/ou da necessidade de cosntrução do Estado, presume-se das instituições. Parece, por isso, politicamente giro falar-se dela e é bonito mostrar os outros que também aqui, em Cabo Verde, nós falamos de reforma do Estado - que também aqui nos divertimos com a ideia de produzirmos narrativas a respeito, mas que infelizmente não é possivel reformar o Estado se não sabermos com clareza que objectivos pretendemos perseguir. Bons discursos foram feitos sobre o tema, mas quando viramos a página encontramos a situação na mesma. As vezes mudam-se os nomes dos serviços para ver se esse serviço muda a substancia à partir da mudança do nome e bate no mesmo. E, então, porquê que a verdadeira reforma nunca acontece? Será que é por falta de interpretação objectiva da realidade das coisas!. Pode ser que sim, pode ser que não! Sabemos que de um Estado totalitário, sem constituição, dirigido por um regime de partido único, a um Estado de direito democrático ou um Estado liberal de direitos, a ideia-força genérica que subsiste reside no facto de hoje, mais do que nunca, Cabo Verde precisaria de um Estado necessariamente moderno que, reconhecidamente, assumiria, na sua estrutura, a conclusão do processo de desenvolvimento da condição humana e lhe dê estabilidade, enquanto processo e dinâmica culturais, que procura atingir estádios de não retorno dessas conquistas, logo da sua irreversibilidade, e que se para isso se tornar importante realizar reformas, então que se reforme o mais brevemente possível. Sempre se pergunta que Estado queremos ter em Cabo Verde? À ideia de reforma do Estado, muitas vezes pensada, não se pode, liminarmente, contrapôr-se ao medo de que, eventualmente, “reforma” traz implícito o risco de “desmantelamento” das instituições, para no seu lugar se colocar interesses privados ou significar desprezo pelas funções Estado - quem, em Cabo Verde, desprezar o Estado, acaba desprezando indirectamente os cidadãos. Não é necessário fazer apologia ao Estado, mas reformar o Estado não pode significa (repito) desprezo pelas suas instituições, nem pode, por outro lado, in-extremis, confundir-se com a ética da liberdade, sobre a qual corre os princípios liberais, como os conhecemos dos livros. Desejar um “menor-Estado” não pode ser, por outro lado, reduzir as instituições do Estado em detrimento dos interesses privados, que, muitas vezes, uma certa ideia confusa do "liberalismo” dá como adquirida, em como estando enquadrada com a ética da responsabilidade do pensamento liberal. O pensamento liberal não é isso, ensina-nos os grandes pensadores do liberalismo. Reconheço aqui divergências de pensamento, com algum sector liberal ou simplesmente empresarial cabo-verdiano, inclusive dentro do MpD, pois nem sempre quando se alimenta uma ideia privada, está-se a alimentar a ideia liberal. Muitas vezes corre-se o risco de que quando se mistura uma certa ideia de Estado, sobretudo quando é feito e defendido pelos privados, passar-se a imagem de que se deve comprimir o Estado em função de interesse dos privados e quando assim é nem sempre as coisas correm como esperado. A mim me parece que a crise que hoje assistimos dos Estados-nacionais coloca em risco a estabilidade das sociedades e dos seus processos culturais e projecta uma ética da reforma que tem que ser compatível com os desígnios de cada sociedade. Em Cabo Verde as coisas não são diferentes. O Estado, enquanto entidade maior de qualquer sociedade, tem de ser forte e Cabo Verde não pode ser excepção à regra. Antes um Estado necessariamente forte do que o Estado fraco. As reformas constitucionais que foram sendo introduzidas acabaram por permitir a construção de um tipo de Estado em Cabo Verde que é absolutamente necessário, que se funda, hoje, nos princípios da República (numa República que se pretende moderna) e nos princípios do Estado de direito democrático, de sorte que quem propuser à sociedade uma visão de reforma que coloca em crise as instituições públicas, como forma de gerar espaços para a penetração de interesses privados, perde o debate. Na minha opinião deve mesmo perder o debate, porque aqui em Cabo Verde as instituições do Estado são também conquistas do povo e as reformas devem servir para qualificar essas conquistas e não elimina-las. Nós temos um Estado que assumiu a obrigação de estar em todo lado, porque era simplesmente necessário. Teria de ser assim. Acabou por ser um Estado omnipresente, que tende no passado e ainda tende, no presente, a substituir, no sentido de liderança e de responsabilização, à sociedade, pensando, muitas vezes, que ele é a sociedade. Através de uma administração possível instalada logo no inicio da sua existência, o Estado de Cabo Verde soube ser entidade maior (a única com credibilidade) que, depois de sufragada pela vontade democrática do povo, como tem vindo acontecer, tem-se erigido na expressão maior da vontade colectiva (social, politica, económica e cultural) do povo e nação cabo-verdianas, numa sociedade que firmou ao longo da história por saltos de “dissidências”, enquanto reduto e sintese do comportamento geral dos seus cidadãos. O Cabo-verdiano, por ser excessivamente individualista precisa da ordem, de estabilidade e de uma instância de planeamento estratégico do seu futuro e isso, na minha opinião, só se consegue se formos capazes de construir um Estado necessário, em resultado das dinâmicas culturais que se processaram entre nós, ao longo dos tempos. Um Estado necessário ajustado ao território historicamente herdado e ao território imaterial que decorre da condição extra-territorial da nossa identidade, enquanto povo e nação. Um Estado inexoravelmente necessário que tem o homem cabo-verdiano como fonte inspiradora da legitimidade dos seus processos e trabalha para o seu bem-estar. Um Estado capaz de enquadrar o homem e ao mesmo tempo combater os seus vícios em detrimento da valorização do mérito e da sua qualidade. No fundo um Estado lúcido e moderno. De idade média, aos nossos dias, produziram-se teorias variadas sobre o “Estado”, enquadradas nuns casos por “ciência do Estado” e noutros casos por “teoria geral do Estado”, sempre com a preocupação de se traduzir e assumir a conformação institucional do princípio da vontade geral, da produção do bem comum, da produção do direito e da justiça social. Um Estado defensável não pode ser Estado particular, pensado e querido apenas por nós (ou por um grupo especifico de interesses), mais sim um Estado necessário, que é aquele cuja pretensão é a de ser útil à sociedade, colocando-se ao serviço das pessoas – um Estado tão próximo quanto possível dos cidadãos e ao mesmo tempo tão equidistantes dos seus vícios e dos seus interesses particulares. Não se pode construir um Estado, pensando que esse mesmo Estado tem de ser similar ao Estado dos grandes países. Reforma não pode ser vendida, enquanto ideia, se considerarmos que elas trazem o risco de desmantelamento do Estado ou tem como propósito exaurir as funções do Estado em detrimento dos privados. Reformar pode significar ajustes a cada momento em função dos objectivos que se pretende atingir, como soi dizer-se. Na nossa sociedade o Estado tem de existir e tem de ser forte e substantiva na realização do bem comum. Nessa narrativa, a contra posição entre o Estado e os privados não tem lugar, nem se quer devem existir. Os privados são complementos activos do Estado na produção do bem comum. O Estado existe porque existe o privado e não o inverso. A reforma do Estado pode e deve ser vista como um caminho para aumentar os níveis de eficiência e de eficácia dos serviços que o próprio Estado, que se pré-dispõe a prestar à sociedade. Por isso, o que verdadeiramente importa é que o Estado seja também um reduto dos cidadãos e isso só será possivel quando estes disserem que este o Estado que queremos. É este o Estado que cobre as nossas necessidades de sociedade.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O dia seguinte da tomada de posse do governo de Jose Maria Neves.

O novo governo, saído das últimas eleições, acaba de tomar posse. Tanto José Maria Neves, como alguns dos seus ministros anunciaram na comunicação social as linhas mestras para a constituição do programa do governo. O parlamento também já funciona. Já se constitui a sua mesa e os deputados acabam de tomar posse. Os partidos já decidiram os respectivos candidatos as próximas presidencias e, portanto, está tudo sobre rodas.

O que é que se poderá dizer sobre o novo governo! Trata-se de um governo do Paicv e de José Maria Neves e assim deve ser visto, cujo mandato termina em 2016. Hoje, podemos dize-lo: é também um dos dias que seguem à tomada de posse do governo. Alguns ministros cheiram a novo, outros nem tanto. Curiosamente e ainda bem que assim é: cada Cabo-verdiano tem um potencial governo seu na sua cabeça, mas só forma o governo quem ganhar eleições e nesse caso forma governo o Paicv e José Maria Neves. Devemos viver em paz com estas coisas, sobretudo nós que somos da oposição, que perdeu eleições recentemente porque é assim em democracia! forma governo quem ganhar eleições.

Qualquer juízo de valor sobre este actual governo só se poderá fazer a partir do programa do governo e do orçamento de Estado, onde se poderá avaliar das suas efectivas intenções, quanto ao futuro, nos dominios da economia e do emprego, de desenvolvimento e do combate às desigualdades sociais de entre outras materias, tais como turismo, tecnologia, educação e comunidades da diaspora etc..... Formalmente, o lugar da oposição é no Parlamento e é aí que deve, em confrontação, cumprimentar e saudar o novo governo: em nenhum país democrático a oposição assiste tomada de posse do governo que resultou das eleições, onde essa mesma oposição terá perdido eleições. Não havendo espaço para a polémica do tipo, sendo até risível, ainda assim acho que precisamos melhorar os mecanismos constitucionais de formação do governo, à semelhança, por exemplo, do que se faz nas empresas.

Além de a necessidade de constitucionalizarmos alguns ministérios de molde a estabilizarmos o estado, CRCV deveria, de forma inequívoca, fornecer orientações precisas no processo de formação do governo saido das eleições. Ou seja, o líder do partido que ganhar eleições, depois de indigitado pelo Presidente da República, deveria, formalmente e nos dias seguintes, apresentar na Assembleia Nacional, o seu programa de governo. A sua apresentação e discussão dever-se-iam fazer-se entre o líder que ganhar as eleições e os deputados. Deve assumir a sua discussão e aprovação do programa em plenário e depois disso define as pastas, a orgânica, o perfil dos membros do governo e, por último, a selecção de ministros e a respectiva formação do governo. Assim como está, o programa do governo pode não resultar directamente da plataforma eleitoral do partido vencedor, mas sim da interpretação que cada membro do governo, em particular, faz da plataforma eleitoral, adulterando a responsabilidade partidária.

Uma outra nota!... Gostei do facto de o José Maria Neves ter mantido o ministério das comunidades (solução que defendo desde 1996. Cumprimento-o por isso e pelo facto de er escolhido Fernanda Fernandes para liderar essa pasta: além de ser uma mulher, julgo que terá sido uma boa escolha, pois Fernanda Fernandes é uma pessoa independente e tem disso dado provas, ao longo dos anos que a conheci e é conhecedora da realidade da diaspora. Tem sobre isso um longo curriculo, sobre o qual pesa agora uma grande responsabilidade. Deve procurar desenvolver um bom programa de governo. Ela deve, o mais breve possivel, fazer aprovar leis consensuais como a Lei sobre organização e funcionamento do Concelho das Comunidades, a lei sobre estatuto do investidor emigrante, a lei que cria o provedor do emigrante e a necessidade de negociar com as Câmaras Municipais no sentido instalação em todo o país de um serviço especializado de atendimento dos emigrantes, de entre outros assuntos, todos de enorme importância para a integração da diáspora no país de acolhimento e em Cabo Verde.

Um outro comentário que cabe aqui fazer-se sobre a formação do governo, tem que ver com a mudança de nome do ministério dos negócios estrangeiros, para ministérios das relações exteriores. Absolutamente desnecessário a troca de nomes!..., pois essa mudança não faz muito sentido e não se compreende, por ser inútil, porque reduz o valor que se pretende atribuir a esse ministério que tem uma importância vital para a vida do país. Ai mudou-se só para mudar, pois a mudança de nome, sabemos todos, quando ocorre sem mudança de paradigma de nada vale. Talvez fosse melhor reforçar esse ministério, aonde poderia estar um ministro de Estado ou mesmo um vice-primeiro ministro que englobaria ministérios dos negócios estrangeiros e ministério das comunidades e o Secretário de Estado da Cooperação. Se eu fosse primeiro-ministro (claro!) formaria um governo, que posicionasse o ministério dos negócios a um outro nível. Mas aí está! Eu não sou nem líder do Paicv que é o partido vencedor das últimas, mormente primeiro-ministro indigitado, pelo contrário, sou dirigente nacional do MpD, partido de oposição que perdeu recentemente as eleições a favor do Paicv, por isso limito-me a comentar politicamente como estou a faze-lo aqui, com um cuidado tal que não transmite nenhum tipo de sentimento de mau perder.

José Maria Neves é, deste modo e pela terceira vez consecutiva, em democracia, primeiro-ministro de Cabo Verde. Vai igualar o seu mandato ao tempo de partido único. Mal ou bem mérito seu e do Paicv. Bem ou mal demerito do MpD e da sua liderança. O seu resultado ficará na história política de Cabo Verde, apesar de esse seu sucesso significar, por outro lado e para o MpD, uma derrota histórica correspondente, coisa que preferiria nunca registar. Apesar disso, acaba de anunciar com quase cinco anos de antecedência que não mais voltaria a ser candidato ao cargo de primeiro-ministro, facto que ninguém parece ter registado, nem mesmo o MpD que é o partido mais interessado nessa eventual saída de José Maria Neves da liderança do Paicv: pode-se também perguntar, com a tranquilidade da distância de 5 anos: Quem é que eventualmente poderá vir a ser o próximo líder do Paicv e com que tipo de liderança vai ter o MpD de confrontar num cenário pós- José Maria Neves e quem vai ser o próximo líder do MpD.

Enquanto o Paicv e José Maria Neves anunciam uma estratégia de legislatura, o MpD ainda está a agir sobre o rescaldo da derrota eleitoral e não passando disso, laborando encima de orientações de muito curto prazo, criando artifícios para a preservação do poder aqui e alí, quando deveríamos estar a olhar para o futuro do partido, para a era pós Carlos Veiga – há que dize-lo, de forma inequívoca, sem sentimentalismos ou nostalgias, visando formar espaços de opinião dentro do MpD, de modo a torna-lo um partido inserido no “arco de governabilidade” e não apenas um partido resignado ao “arco do poder municipal”.

domingo, 20 de março de 2011

MPD entre as reformas internas inadiáveis, a "mnemónica" de Keynes e o "assalto à esperança" de Humberto Cardoso.

Os resultados das últimas eleições legislativas, associado à necessidade de se manter vivo a disputa eleitoral em Cabo Verde, em nome da alternância política e da causalidade democrática, permitem afirmar que a hegemonia e a bipolarização política vão confinar o mercado eleitoral em redor do Paicv e do MpD, em resultado da posição relativa de cada um dos dois partidos. Os desafios estão do lado do MpD, que estará já a viver entre o dilema da inevitabilidade de reformas internas, a mnemónica de Keynes e o assalto a esperança de Humberto Cardoso.

Esse dilema poderá constituir-se em nosso entender num trunfo na programação do nosso futuro, enquanto partido, se fizermos dele boa leitura e se o aplicarmos em toda sua extensão. O formato de competição política entre os dois partidos, por que bipolar e muitas vezes hegemónico, vai sendo, apesar de tudo por força das circunstancias, fixado. Expõe todos os pontos fracos da nossa vida democrática colectiva, provocado pelo populismo, decorrente do carácter horizontal imposto pelas directas nas eleições internas dos partidos, onde os órgãos e a militância partidária perdem valor e as regras de competição política e democrática internas desvalorizadas, em detrimento de uma excessiva presidencialização política dos partidos.

O ambiente é complexo e bipolarizado de forma acentuada, de sorte que poderá vir a constituir-se pano de fundo para a instalação do que se chama “monotelismo democrático” nos partidos e na sociedade. O risco desse monolitismo é eminentemente real, pois a posição relativa dos diversos protagonistas não é a mesma nem em relação aos diferentes processos democráticos a nível internos nos partidos, nem em relação às instituições da República.

A vitória de José Maria Neves nas ultimas eleições legislativas e a derrota de Carlos Veiga parecem ter contribuído para o agravamento de tal situação, complicando esse quadro, cujas alterações só serão possíveis se os partidos (mormente o MpD) assumirem o objectivo de revisitar a sua estratégia para com o pais. Parece-me que nem o Paicv deve continuar a ser um partido africano que se auto-impôs à sociedade cabo-verdiana, nem o MpD deve continuar a reduzir-se em um movimento político que só aparece em momentos de campanhas eleitorais.

O estado de necessidade a que chegou o país no que toca ao combate pela qualidade da democracia, pela boa governação dos partidos e pela democracia passa, também, pela reforma dos partidos políticos e, seguramente, pela revisão da Lei que os enquadra, onde os órgãos colegiais e militancia partidariasão valorizadas e as eleições directas nos partidos suprimidas, de molde a combater o populismo e a presidencialização dos partidos, em vez de se fomentar e reforçar a componente de conjunto e dos órgãos colegiais deliberativos e suas formas de decisão.

As eleições directas estão a ser mal usadas nos partidos. Tem vindo a agravar o défice democrático no interior dos partidos. O caso do MpD é paradigmático. Os seus orgãos colegiais foram, todos e sem excepção, enfraquecidos. Os presidentes dos partidos, depois de eleitos, consideram, estando acima dos orgaõs colegiais dos respectivos partidos porque foram eleitos directamente pelas bases, em contraposição das hierarquias naturais que, por natureza das coisas, se constituem ao longo dos tempos nos partidos. Os partidos são instituições públicas da República. A sua missão é propor caminhos, através de projectos, programas e estratégias ou linhas de orientação para a produção do bem comum, do melhor bem comum possível, aquele que beneficia directa ou indirectamente todo o povo, não podendo, por via disso, ser causador do mal.

Os partidos políticos não são meras instituições privadas, que se limitam a defender interesses de um certo grupo de pessoas, são, antes de mais, exércitos de mulheres e homens livres que actuam de forma organizada e se posicionam à frente da sociedade e lhe constrói caminhos em busca do poder político e enquanto "instituições puras”, existem para influenciar a sociedade e os seus membros, com ideias, estratégias, programas, projectos e propostas. A manterem-se as coisas como estão e em consequência da posição hegemónica que decorre da bipolarização existente, os partidos podem vir a deixar de se constituírem, entre si, espaços públicos de expressão política alternativo na conquista de poder, para se tornarem em espaços sobreponiveis e complementares de expressão política, com o Paicv a liderar e os outros partidos de oposição, designadamente o MpD a complementa-lo e com ele todos os outros pequenos partidos de oposição, que acabam sendo, por essa via, enquadrados por esse determinismo causal.

As últimas eleições permitem tais observações, apontando para um certo comodismo e risco, que podem vir agravar-se a partir do momento, em que as pessoas assumirem a posição de derrotismo eleitoral geral, partindo do pressuposto de que já não valerá a pena votar no seu partido preferido, porque ganha sempre o mesmo partido: poderá acontecer aquilo que aconteceu nos primeiros 15 anos de independência, onde ocorrera a desmobilização geral dos cidadãos eleitores que, tal como acontecia nessa altura, deixaram de ter interesses para as questões políticas que se desenvolvia em torno do partido único.

Não ocorrendo mudança de lideranças nos partidos políticos, designadamente nos partidos de oposição, e não havendo mudanças na lei dos partidos políticos, a breve trecho, o país pode passar a conviver, em resultado dessa realidade, com uma "democracia de tipo monolítico”, liderada pelo Paicv, que está passar a ser único partido capaz de ganhar eleições e que, num quadro de ironia geral e sistémica, e com ajuda externa, vai promover a instalação do absurdo político de ser ele o único partido que pode, verdadeiramente, oferecer soluções de governação ao cabo-verdianos.

Em linha com essa questão, instalar-se-á em Cabo Verde, o que se chama “democracia de mínimos”, que corre na grande maioria dos países africanos, pois vai passar a existir um único partido que supostamente é capaz de conferir governação ao país e um conjunto de outros partidos que só podem desempenhar funções de poder no arco do poder municipal: esses partidos municipais ou municipalizados serão colaboradores líquidos do regime, podem até ter grupos parlamentares, mas não passarão disso e não podem aspirar ser governo porque não têm credibilidade suficiente.

Um dia, no parlamento, um alto dirigente do Paicv afirmava que, em resposta da ideia peregrina defendida pelo MpD em 1991 de extinguir o Paicv, iriam (eles o Paicv) trabalhar com o objectivo de reduzir o MpD à condição da UNITA de Angola e da Renamo de Moçambique. À ideia anunciada - que poderia ser considerada um desabafo político, após uma sessão parlamentar que lhes teriam corrido mal - veio a corresponder a certa estratégia de condicionamento do MpD, que não levando a sério essa ideia dita por esse alto dirigente do Paicv, acabou por não adoptar medidas que pudessem contrariar tal estratégia.

Na ânsia de reduzir o MpD ao mínimo, como acontece em Angola com a Unita e em Moçambique com a Renamo, o Paicv parece ter desenvolvido, desde essa altura, um conjunto de acção política directa atacando o MpD, na sua parte mais vulnerável – a sua organização. Estudaram amiúde a sua situação interna, que de resto é publico, e taeraõ concluído de que, depois das eleições de 2008, passariamos legitimamente, a alimentar um elevado grau de ansiedade político, que resultaria de um misto de sensação, provocado, por um lado, pelo facto de termos saído do poder, prematuramente em 2001, em crise de confiança interna e em choque directo com os eleitores (a síndrome de 2000) e por outro lado, pelo facto de termos sido capazes de em 2008 demonstrar que podiamos voltar a ganhar eleições legislativas e que, por isso, as vitórias nas autárquicas poderiam ser vistas como primarias das eleições legislativas.

Dito mesmo por um alto dirigente do Paicv a Jorge Santos de que estaria em curso um processo para a sua substituição na liderança do MpD. A estratégia não era para menos. Nos debates parlamentares, Jorge Santos esteve a um passo de tirar José Maria Neves de cena politica, a ponto deste, em consequencia de um destes debates, ter sido levado a apresentar a moção de confiança. Daí que num jogo muito pouco transparente, começou o trabalho do “sistema” e ocorreu então o que eu considero seja “o assalto è esperança”, citando Humberto Cardoso – o assalto à esprança do MpD regressar ao governo em 2011. Lembrem-se do debate organizado pelo “Jornal Asemana” entre José Maria Neves e Carlos Veiga. Teria sido, na minha opinião, a primeira manobra – o primeiro passo do “sistema”, dado em direcção à substituição de Jorge Santos na liderança do MpD, sabendo esse mesmo “sistema” que, com Carlos Veiga, a ansiedade pelo poder se agravaria no seio do MpD e que isso de per si se constituiria no primeiro passo para se inverter a situação: acertaram em cheio e o Paicv fez, de forma inteligente, disso a sua aposta estratégica. Os dirigentes do Paicv tinham a consciência de que o regresso do Veiga à liderança do MpD, encolheria a area eleitoral, onde o MpD labora e em consquencia reduziria a probabilidade do MpD ganhar eleições. Não ficou claro que Carlos Veiga teria consciência de que o seu regresso à liderança do MpD, além de encolher nosso eleitorado, torna-lo-ia num "piao" nas mãos da estrategia do Paicv.

Falo destas coisas, não porque pretendo alimentar qualquer sentimento de nostalgia ou para fazer polémicas, mas tão simplesmente porque os factos devem ficar registados e esses, sendo registados, podem servir de base para se fazer um bom diagnóstico para melhor planear o futuro, pois quero que o MpD (o nosso MpD) melhore o seu diagnóstico, sua visão e os mecanismos na formulação da sua estratégia e plano para a conquista do poder político em Cabo Verde, pois que esteve nas eleições de Fevereiro passado e vai continuar a estar no futuro, é a disputa do poder político.

Pode não existir a correlação positiva entre eleições autárquicas e eleições legislativas, mas as "mnemónicas" de Keynes ensinam-nos que as decisões que tomamos hoje têm de estar em linha com o que queremos para o nosso futuro:quem ganha as eleições autárquicas nem sempre ganha as eleições legislativas, embora não se pode perder as proximas eleições por persarmos nesse correlação negativa entre as eleições presidencias e as proximas eleições autarquicas. A ideia desenvolvida, na altura, pela liderança de Jorge Santos sobre a “unidade programática do sistema do MpD”, consistiria na materialização dosobjectivos, que propunha a inverção dessa tendência, tendo por meta transformarmos as eleições autárquicas de 2008 em rampa de lançamento para a vitória das eleições legislativas de 2010. Com Jorge Santos na liderança do MpD sabíamos, nós do MpD, que ganharíamos as eleições legislativas de 2011, mas com Carlos Veiga na liderança do MpD, sabiam eles, o Paicv que perderíamos Nós, as eleições legislativas de 2011.

Temo, pois, pela degradação da vida democrática em Cabo Verde, não porque o Paicv terá ganho as últimas eleições legislativas ou pela partidarização hegemónica das proximas eleições presidenciais, mais tão-somente pelo enfraquecimento do MpD, se não formos capazes de imprimirmos mudanças fundacionais internas a todo o sistema que o envolve, invertendo as variáveis que os caracterizam e apostando na unidade programática dos seus diferentes braços institucionais, desde logo, a nivel do grupo parlamentar, ao nível dos deputados, dos dirigentes nacionais, dos autarcas, da JpD e da organização das mulheres democráticas: isso só será possível, com uma nova liderança imprimido ao partido, que antes de ser intuitiva e/ou especulativa, é autentica, assertiva e global. As unidades institucionais do MpD, a que eu me refiro, têm de estar alinhadas com um novo estilo de liderança, através de uma nova orientação sistémica e sistematizada que aponta para a normalização das relações de confianças entre os militantes do MpD e do MpD com a sociedade.

O futuro tende a ser cada vez mais complexo e, independentemente das duas eleições, presidências do próximo verão e autárquicas do próximo ano, a verdade é o seguinte: com o anúncio antecipado da retirada de José Maria Neves, há uma nova cartada estratégica jogada pelo Paicv, que agrava o quadro de complexidades na competição política entre MpD e Paicv em 2016, onde teremos um concentrado de três eleições, todos no mesmo ano.

A diferença entre o MpD e o Paicv reside nos seus respectivos projectos e na forma concomitante como constroem as suas respectivas narrativas, e os comunicam aos cabo-vedianos. Da mesma forma que as pessoas já sabem com que contam com o Paicv, deveriam também saber com que contam com o MpD. Da mesma forma que o Paicv, se define como um partido, o MpD tem de se transformar em um partido político estável e que olha para a sociedade cabo-verdiana e actua, como tal e não como um movimento, apreendendo a promover e a proteger os seus interesses.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A principal arma para a disputa politica futura em Cabo Verde vai ser as questões de desenvolvimento e a construção do Estado Social

Cabo verde é possuidor de um pequeno Estado. As suas instituições têm 35 anos de vida. Surgiram após a independência nacional e são ulteriores à nação. Antes dessas instituições, existiram comunidades nacionais. Somos, por isso, uma nação de comunidades insulares (distribuídas pelas ilhas) e, ao mesmo tempo, de diásporas. As nossas instituições deveriam reflectir essa condição intrínseca.

Entre nós a disputa política vai ganhando contornos muitos especiais, mas as questões de desenvolvimento económico e social e sobretudo as ideias para a construção de um Estado social vão ser mola determinante na competição política, enquanto permanecer o índice da pobreza que assola o país. O rendimento disponível garantido às famílias deveria ser condição necessária e suficiente para se produzir uma boa imagem politica.

Instituições partidárias fortes, associadas a uma sociedade civil pujante deveriam ser ponto de partida. Os Partidos políticos são também instituições da Republica, incluindo esta «República nova» que enquadra as principais opções constitucionais da última revisão. A própria qualidade da democracia vai ter que ver directamente com a pujança do estado desse Estado social, no futuro, de molde a evitar que partidos políticos condicionem os cidadãos em momentos eleitorais. É verdade que o Estado que erigimos resultou de um processo histórico que aborda o período antes e após a independência nacional e que inclui, designadamente, as reformas constitucionais operadas com a constituição de 1992 e assume, hoje, o sistema parlamentar como pedra angular do regime, sendo também o coração do poder politico, mas que ainda não assumiu a ideia da construção de um Estado social como uma inevitabilidade.

Apesar disso e de outro modo, poderia dizer-se que as eleições de 6 de Fevereiro e sobretudo as eleições presidenciais de Outubro próximo assumirão um carácter de fecho do ciclo pós transição, pois estarão encimadas por uma espécie de pax constitucional, que marcará, em definitivo, uma nova vaga da história política do país. Como defendi há um ano, os consensos gerados, fixados e traduzidos em letra de Lei na última revisão da constituição geraram um novo “começo” – um novo paradigma, com um novo ponto de partida, que por ausência de leitura politica e ideológica das suas consequencias, acabaram por penalizar o MpD nas ultimas eleições, apesar das derrotas eleitorais resultarem também da confluência de vários factores objectivos e subjectivos.

A história das legislativas de 6 de Fevereiro foi desenhada e determinada na última revisão da constituição, pela forma como se construíram os consensos. Fizeram-se cedências dos dois lados, com o MpD a ser colocado de forma objectiva numa situação de desvantagens. A diferença poderia repousar-se no modelo do Estado social, sustentado, na altura pelo MpD, mas o próprio teria deixado que a maioria das suas propostas caísse. O Paicv, de forma hábil, acabou por fazer passar as dele, tendo sido até possível ultrapassar os limites do sistema, prorrogando o mandato político ao Presidente da Republica, ou simplesmente atribuindo-lhe um novo mandato de seis meses sem consulta popular - coisa inédita. Quem, estando na oposição, actuar desta forma coloca todo o sistema contra ele. A revisão da constituição de 2010, apesar de ter produzido alguns resultados, designadamente nos domínios da justiça, foi inoportunidade política e contrapruducente para a geração de alternância política, e coloca-se, segundo parece, nas antipodas das derrotas eleitorais do MpD no passado dia 6 de Fevereiro passado.

A transição política de 25 anos a que eu me referi atribuiu circunstancialismos novos ao regime e propõe de forma acabada e irrefutável um sistema politico definitivo ao país. O Paicv vem-se treinando ao longo da ultima década. Apreendeu, inclusive, a governar em democracia e com base numa constituição democrática e numa especie de marcha imparável, revolucionária, acaba por ultrapassar a sua própria sombra ideológica e nesse hiato temporal ultrapassa com passo de mágica o MpD, que embora seja partido fundador da democracia e do Estado de direito, não acompanhou ou -lo de forma deficiente, deixando cair a possibilidade de passar ao ataque,

Diria que a transição política de 25 anos fora concluída em 2001, com o regresso do Paicv e de Pedro Pires ao poder, com a introdução da tolerância e o princípio imaterial da reconciliação nacional dos cidadãos eleitores com esses dois protagonistas da nossa história politica recente. Perdão e tolerância foram mote politico imaterial nas eleições de 2001 que geraram memória politica futura e tiveram impacto nas últimas eleições legislativas.

No futuro, as alternâncias politicas em Cabo Verde vão ocorrer entre os partidos que se fizeram ao centro. Por isso, considero que sendo a fase subsequente da nossa vida política actual, a construção do Estado Social, fundada no desenvolvimento sustentável e numa equitativa e justa distribuição de rendimentos, considero que o partido que conseguir manter e produzir uma imagem estável em torno das questões de desenvolvimento sustentável e das ideias de um Estado social vai ser aquele partido que nos governará no futuro, porque vai ser esse partido a eliminar o engulho persistente que resulta da pobreza e das desigualdades sociais.

Por isso, a qualificação do trabalho, através da adopção do sistema de salário mínimo nacional, da indexação da pensão social de sobrevivência ao salário mínimo e da consequente preparação do país para quando deixar de viver a sua oportunidade demográfica, são estratégias fundamentais com efeitos a longo prazo, que assinalam o caminho, porque darão frutos no futuro e libertam o cidadão do atrofiamento que resulta da ausência do rendimento e da pobreza e das desigualdades sociais.
Digamos que a principal arma para a disputa politica futura em Cabo Verde vai ser, inevitavelmente, as questões de desenvolvimento sustentável e a construção do Estado social.

O MpD enquanto partido e enquanto instituição desta República tem de preparar para poder ganhar na corrida pelo futuro de Cabo Verde e dos Cabo-verdianos.
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OBS de Rodapé: O MpD tem de mudar. A bola está do nosso lado. Devemos deixar de nos reduzirmos a simples frente política, amplificado e com vocação de poder, porque temos vindo a perder, de eleições para eleições, a margem e capacidade de federar tendências e formas de pensamento, correndo riscos de no futuro afastarmos da nossa linha fundacional. Entendo que o MpD deve fazer-se ao centro, introduzindo e assumindo reformas institucionais, num amplo programa de refundação, visando transformar-se num partido politico, de facto, alinhado, ideologicamente, com os partidos do grupo IDC. Deve assumir o facto de poder não ser sustentável no futuro um MpD que se resume e se resigna a uma simples frente política de campanha eleitoral, ao que deixo aqui para a reflexão dos que estão interessados em faze-lo, que ao MPD, se deve quiça, num referendo interno, confirir-lhe dimensão institucional e partidária, acrescentando um sufixo de «Partido Popular ou Partido Popular Democrático», decisão que obrigaria a uma refundação e uma re-designação compósita ou composta do partido, em respeito pela Lei dos Partidos Políticos, valorizando a marca MpD - podendo ser "MPD-PP" ou "MPD-PPD" que se projecta ao centro