domingo, 20 de março de 2011

MPD entre as reformas internas inadiáveis, a "mnemónica" de Keynes e o "assalto à esperança" de Humberto Cardoso.

Os resultados das últimas eleições legislativas, associado à necessidade de se manter vivo a disputa eleitoral em Cabo Verde, em nome da alternância política e da causalidade democrática, permitem afirmar que a hegemonia e a bipolarização política vão confinar o mercado eleitoral em redor do Paicv e do MpD, em resultado da posição relativa de cada um dos dois partidos. Os desafios estão do lado do MpD, que estará já a viver entre o dilema da inevitabilidade de reformas internas, a mnemónica de Keynes e o assalto a esperança de Humberto Cardoso.

Esse dilema poderá constituir-se em nosso entender num trunfo na programação do nosso futuro, enquanto partido, se fizermos dele boa leitura e se o aplicarmos em toda sua extensão. O formato de competição política entre os dois partidos, por que bipolar e muitas vezes hegemónico, vai sendo, apesar de tudo por força das circunstancias, fixado. Expõe todos os pontos fracos da nossa vida democrática colectiva, provocado pelo populismo, decorrente do carácter horizontal imposto pelas directas nas eleições internas dos partidos, onde os órgãos e a militância partidária perdem valor e as regras de competição política e democrática internas desvalorizadas, em detrimento de uma excessiva presidencialização política dos partidos.

O ambiente é complexo e bipolarizado de forma acentuada, de sorte que poderá vir a constituir-se pano de fundo para a instalação do que se chama “monotelismo democrático” nos partidos e na sociedade. O risco desse monolitismo é eminentemente real, pois a posição relativa dos diversos protagonistas não é a mesma nem em relação aos diferentes processos democráticos a nível internos nos partidos, nem em relação às instituições da República.

A vitória de José Maria Neves nas ultimas eleições legislativas e a derrota de Carlos Veiga parecem ter contribuído para o agravamento de tal situação, complicando esse quadro, cujas alterações só serão possíveis se os partidos (mormente o MpD) assumirem o objectivo de revisitar a sua estratégia para com o pais. Parece-me que nem o Paicv deve continuar a ser um partido africano que se auto-impôs à sociedade cabo-verdiana, nem o MpD deve continuar a reduzir-se em um movimento político que só aparece em momentos de campanhas eleitorais.

O estado de necessidade a que chegou o país no que toca ao combate pela qualidade da democracia, pela boa governação dos partidos e pela democracia passa, também, pela reforma dos partidos políticos e, seguramente, pela revisão da Lei que os enquadra, onde os órgãos colegiais e militancia partidariasão valorizadas e as eleições directas nos partidos suprimidas, de molde a combater o populismo e a presidencialização dos partidos, em vez de se fomentar e reforçar a componente de conjunto e dos órgãos colegiais deliberativos e suas formas de decisão.

As eleições directas estão a ser mal usadas nos partidos. Tem vindo a agravar o défice democrático no interior dos partidos. O caso do MpD é paradigmático. Os seus orgãos colegiais foram, todos e sem excepção, enfraquecidos. Os presidentes dos partidos, depois de eleitos, consideram, estando acima dos orgaõs colegiais dos respectivos partidos porque foram eleitos directamente pelas bases, em contraposição das hierarquias naturais que, por natureza das coisas, se constituem ao longo dos tempos nos partidos. Os partidos são instituições públicas da República. A sua missão é propor caminhos, através de projectos, programas e estratégias ou linhas de orientação para a produção do bem comum, do melhor bem comum possível, aquele que beneficia directa ou indirectamente todo o povo, não podendo, por via disso, ser causador do mal.

Os partidos políticos não são meras instituições privadas, que se limitam a defender interesses de um certo grupo de pessoas, são, antes de mais, exércitos de mulheres e homens livres que actuam de forma organizada e se posicionam à frente da sociedade e lhe constrói caminhos em busca do poder político e enquanto "instituições puras”, existem para influenciar a sociedade e os seus membros, com ideias, estratégias, programas, projectos e propostas. A manterem-se as coisas como estão e em consequência da posição hegemónica que decorre da bipolarização existente, os partidos podem vir a deixar de se constituírem, entre si, espaços públicos de expressão política alternativo na conquista de poder, para se tornarem em espaços sobreponiveis e complementares de expressão política, com o Paicv a liderar e os outros partidos de oposição, designadamente o MpD a complementa-lo e com ele todos os outros pequenos partidos de oposição, que acabam sendo, por essa via, enquadrados por esse determinismo causal.

As últimas eleições permitem tais observações, apontando para um certo comodismo e risco, que podem vir agravar-se a partir do momento, em que as pessoas assumirem a posição de derrotismo eleitoral geral, partindo do pressuposto de que já não valerá a pena votar no seu partido preferido, porque ganha sempre o mesmo partido: poderá acontecer aquilo que aconteceu nos primeiros 15 anos de independência, onde ocorrera a desmobilização geral dos cidadãos eleitores que, tal como acontecia nessa altura, deixaram de ter interesses para as questões políticas que se desenvolvia em torno do partido único.

Não ocorrendo mudança de lideranças nos partidos políticos, designadamente nos partidos de oposição, e não havendo mudanças na lei dos partidos políticos, a breve trecho, o país pode passar a conviver, em resultado dessa realidade, com uma "democracia de tipo monolítico”, liderada pelo Paicv, que está passar a ser único partido capaz de ganhar eleições e que, num quadro de ironia geral e sistémica, e com ajuda externa, vai promover a instalação do absurdo político de ser ele o único partido que pode, verdadeiramente, oferecer soluções de governação ao cabo-verdianos.

Em linha com essa questão, instalar-se-á em Cabo Verde, o que se chama “democracia de mínimos”, que corre na grande maioria dos países africanos, pois vai passar a existir um único partido que supostamente é capaz de conferir governação ao país e um conjunto de outros partidos que só podem desempenhar funções de poder no arco do poder municipal: esses partidos municipais ou municipalizados serão colaboradores líquidos do regime, podem até ter grupos parlamentares, mas não passarão disso e não podem aspirar ser governo porque não têm credibilidade suficiente.

Um dia, no parlamento, um alto dirigente do Paicv afirmava que, em resposta da ideia peregrina defendida pelo MpD em 1991 de extinguir o Paicv, iriam (eles o Paicv) trabalhar com o objectivo de reduzir o MpD à condição da UNITA de Angola e da Renamo de Moçambique. À ideia anunciada - que poderia ser considerada um desabafo político, após uma sessão parlamentar que lhes teriam corrido mal - veio a corresponder a certa estratégia de condicionamento do MpD, que não levando a sério essa ideia dita por esse alto dirigente do Paicv, acabou por não adoptar medidas que pudessem contrariar tal estratégia.

Na ânsia de reduzir o MpD ao mínimo, como acontece em Angola com a Unita e em Moçambique com a Renamo, o Paicv parece ter desenvolvido, desde essa altura, um conjunto de acção política directa atacando o MpD, na sua parte mais vulnerável – a sua organização. Estudaram amiúde a sua situação interna, que de resto é publico, e taeraõ concluído de que, depois das eleições de 2008, passariamos legitimamente, a alimentar um elevado grau de ansiedade político, que resultaria de um misto de sensação, provocado, por um lado, pelo facto de termos saído do poder, prematuramente em 2001, em crise de confiança interna e em choque directo com os eleitores (a síndrome de 2000) e por outro lado, pelo facto de termos sido capazes de em 2008 demonstrar que podiamos voltar a ganhar eleições legislativas e que, por isso, as vitórias nas autárquicas poderiam ser vistas como primarias das eleições legislativas.

Dito mesmo por um alto dirigente do Paicv a Jorge Santos de que estaria em curso um processo para a sua substituição na liderança do MpD. A estratégia não era para menos. Nos debates parlamentares, Jorge Santos esteve a um passo de tirar José Maria Neves de cena politica, a ponto deste, em consequencia de um destes debates, ter sido levado a apresentar a moção de confiança. Daí que num jogo muito pouco transparente, começou o trabalho do “sistema” e ocorreu então o que eu considero seja “o assalto è esperança”, citando Humberto Cardoso – o assalto à esprança do MpD regressar ao governo em 2011. Lembrem-se do debate organizado pelo “Jornal Asemana” entre José Maria Neves e Carlos Veiga. Teria sido, na minha opinião, a primeira manobra – o primeiro passo do “sistema”, dado em direcção à substituição de Jorge Santos na liderança do MpD, sabendo esse mesmo “sistema” que, com Carlos Veiga, a ansiedade pelo poder se agravaria no seio do MpD e que isso de per si se constituiria no primeiro passo para se inverter a situação: acertaram em cheio e o Paicv fez, de forma inteligente, disso a sua aposta estratégica. Os dirigentes do Paicv tinham a consciência de que o regresso do Veiga à liderança do MpD, encolheria a area eleitoral, onde o MpD labora e em consquencia reduziria a probabilidade do MpD ganhar eleições. Não ficou claro que Carlos Veiga teria consciência de que o seu regresso à liderança do MpD, além de encolher nosso eleitorado, torna-lo-ia num "piao" nas mãos da estrategia do Paicv.

Falo destas coisas, não porque pretendo alimentar qualquer sentimento de nostalgia ou para fazer polémicas, mas tão simplesmente porque os factos devem ficar registados e esses, sendo registados, podem servir de base para se fazer um bom diagnóstico para melhor planear o futuro, pois quero que o MpD (o nosso MpD) melhore o seu diagnóstico, sua visão e os mecanismos na formulação da sua estratégia e plano para a conquista do poder político em Cabo Verde, pois que esteve nas eleições de Fevereiro passado e vai continuar a estar no futuro, é a disputa do poder político.

Pode não existir a correlação positiva entre eleições autárquicas e eleições legislativas, mas as "mnemónicas" de Keynes ensinam-nos que as decisões que tomamos hoje têm de estar em linha com o que queremos para o nosso futuro:quem ganha as eleições autárquicas nem sempre ganha as eleições legislativas, embora não se pode perder as proximas eleições por persarmos nesse correlação negativa entre as eleições presidencias e as proximas eleições autarquicas. A ideia desenvolvida, na altura, pela liderança de Jorge Santos sobre a “unidade programática do sistema do MpD”, consistiria na materialização dosobjectivos, que propunha a inverção dessa tendência, tendo por meta transformarmos as eleições autárquicas de 2008 em rampa de lançamento para a vitória das eleições legislativas de 2010. Com Jorge Santos na liderança do MpD sabíamos, nós do MpD, que ganharíamos as eleições legislativas de 2011, mas com Carlos Veiga na liderança do MpD, sabiam eles, o Paicv que perderíamos Nós, as eleições legislativas de 2011.

Temo, pois, pela degradação da vida democrática em Cabo Verde, não porque o Paicv terá ganho as últimas eleições legislativas ou pela partidarização hegemónica das proximas eleições presidenciais, mais tão-somente pelo enfraquecimento do MpD, se não formos capazes de imprimirmos mudanças fundacionais internas a todo o sistema que o envolve, invertendo as variáveis que os caracterizam e apostando na unidade programática dos seus diferentes braços institucionais, desde logo, a nivel do grupo parlamentar, ao nível dos deputados, dos dirigentes nacionais, dos autarcas, da JpD e da organização das mulheres democráticas: isso só será possível, com uma nova liderança imprimido ao partido, que antes de ser intuitiva e/ou especulativa, é autentica, assertiva e global. As unidades institucionais do MpD, a que eu me refiro, têm de estar alinhadas com um novo estilo de liderança, através de uma nova orientação sistémica e sistematizada que aponta para a normalização das relações de confianças entre os militantes do MpD e do MpD com a sociedade.

O futuro tende a ser cada vez mais complexo e, independentemente das duas eleições, presidências do próximo verão e autárquicas do próximo ano, a verdade é o seguinte: com o anúncio antecipado da retirada de José Maria Neves, há uma nova cartada estratégica jogada pelo Paicv, que agrava o quadro de complexidades na competição política entre MpD e Paicv em 2016, onde teremos um concentrado de três eleições, todos no mesmo ano.

A diferença entre o MpD e o Paicv reside nos seus respectivos projectos e na forma concomitante como constroem as suas respectivas narrativas, e os comunicam aos cabo-vedianos. Da mesma forma que as pessoas já sabem com que contam com o Paicv, deveriam também saber com que contam com o MpD. Da mesma forma que o Paicv, se define como um partido, o MpD tem de se transformar em um partido político estável e que olha para a sociedade cabo-verdiana e actua, como tal e não como um movimento, apreendendo a promover e a proteger os seus interesses.

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