sábado, 7 de maio de 2011

Presidenciais e presidencialismo do PAICV e MpD

A forma como os dois maiores partidos, PAICV e MpD, têm-se interferido na formulação das candidaturas às eleições presidenciais em Cabo Verde, deve inquietar todos os democratas e todos aqueles que acreditam no ideal do sistema parlamentar. Nem MpD e nem PAICV produziram uma estratégia ajustada a situação que enquadra as eleições presidenciais. Estão a pagar o preço por essa interferência. O PAICV, embora aparentemente, acha-se, internamente, dividido, com duas candidaturas às eleições presidenciais: Aristides Lima e Manuel Inocêncio Sousa. O MpD, tendo decidido apoiar Jorge Carlos Fonseca, acha-se, também, passivamente dividido: não tem nenhuma outra candidatura na sua esfera política, mas a decisão da DN de Março está longe de ser consensual. Há um ambiente político interno no MpD que tenta puxar por uma eventual segunda candidatura que, não sendo desejável, não se pode ainda excluir de todo. Apesar disso, seria muito melhor se o MpD se mobilizasse em torno da candidatura de Jorge Carlos Fonseca. Mas, a responsabilidade politica objectiva de mobilização dos militantes do MpD é de Jorge Carlos Fonseca, que, a meu ver, deve o mais rapidamente possivel clarificar o seu discurso em relação à mobilização geral do MpD, pois é de longe preferivel ser visto como um candidato do MpD, do que tentar ser visto como independente, quando importa garantir os votos do MpD. O ambiente de divisão interna no MpD existe, com o agravante de ultrapassar as aparências divisionistas do PAICV, em resultado da agonia política que se arrasta no seio do MpD. A situação de agonia a que está votada o MpD só poderá ser resolvida, segundo parece, em Convenção e com a eleição de uma nova liderança do partido. Para Jorge Carlos Fonseca não seria desejável que o MpD realizasse agora a sua Convenção, onde, inclusivamente, poderia ser aclamado como candidatos de todos os militantes, mas para o MpD, a medida que se adiam as soluções, pior será o seu futuro. De outro modo, o alastramento dessa agonia acentua o ambiente de crispação passiva, de quebra de confiança e de divisão internas, com claros prejuízos para a candidatura de Jorge Carlos Fonseca. Neste momento deveriamos ter um MpD com os seus orgãos renovados. Um novo líder, um novo programa e uma nova liderança. Perdemos já muito tempo. Vê-se o tempo que o MpD levou para a recondução de Fernando Elísio para líder parlamentar. O ainda presidente do MpD, ao decidir impor-se eternamente ao partido, permanecendo perdulário na sua liderança, não estará a ter consciência dos estragos que essa realidade vota o partido e nem está a considerar os seus superiores interesses, mormente do país, com consequências gravosas, tanto para as eleições presidências, como para as eleições autárquicas do próximo ano. O MpD decidiu apoiar, formalmente, à candidatura de Jorge Carlos Fonseca. No dia em que foi tomada essa decisão, sobretudo depois de anunciada publicamente, ficou-se com a sensação de que estaria a faltar algo de muito importante que resultaria da vontade política explícita do líder do MpD, em apoiar essa candidatura, pois que o presidente do MpD teria obrigação moral e responsabilidade politica de fazer apresentação pública dessa decisão. Não o fez, tendo apostado no enfraquecimento da própria decisão da DN. No país e na diáspora, achamo-nos, enquanto MpD, desmobilizados e sem orientação politica ajustada às circunstancias. Estamos a deixar espaço livre para o crescimento das candidaturas provenientes da esfera politica do PAICV. E pergunta-se: de quem é a responsabilidade? Não se deve ter ilusões, o que se passa no PAICV é diferente do que se estará a passar no MpD: no PAICV, segundo parece, foi imposta a vontade do líder ao preferir-se pelo apoio de um candidato que é vice-presidente do partido. No MpD, conforme parece, contrariou-se a vontade do líder, ao decidir-se pelo apoio de Jorge Carlos Fonseca, pelo que o partido não reagiu com entusiasmo ao anúncio feito pelo presidente da mesa da DN, porque o líder não estará aí. O PAICV divide-se por causa da crise de crescimento e o MpD divide-se por causa da escassez de resultados, ausência de estratégia e de liderança. É muito criticável o facto de o actual presidente do MpD demonstrar vontade subjectiva de que gostaria de poder impor outra solução para as presidências ao MpD e o presidente do PAICV, impondo uma solução ao seu partido, não conseguiu produzir unanimidade. Ainda assim, as duas situações não são comparáveis. José Maria Neves está em clima de minimização de danos, demonstrando que quis, com essa estratégia, ter seguro de vida para o seu futuro político, apostando no seu sucessor interno no PAICV para as presidências, ao que os militantes "comem" calados porque ele é primeiro-ministro. Enquanto que Carlos Veiga encontra-se em clima de gestão de dúvidas. Sabe, eventualmente, o que deseja e por por razões tácticas, não comunica esse seu desejo a nínguem. Contrariado por Aristides Lima e por um conjunto de altos signatários do PAICV, Jose Maria Neves tenta arrepiar caminhos, refazendo a estratégia, reconhecendo existencia de dificuldades politicas no seio do PAICV. Os dirigentes do PAICV, com ambição de liderança, ao se aperceberem do jogo, decidiram pelo apoio do antigo presidente da Assembleia Nacional, na medida em que José Maria Neves não pode poder tudo sozinho, querendo resolver o problema da sua sucessão interna no PAICV, através das eleições presidenciais, colocando na “pole position” Manuel Inocêncio Sousa. Essa estratégia das duas lideranças do PAICV e do MpD, quando lido de um outro ângulo, parece tocar o limite político que a constituição estabelece para o exercício do cargo de presidente da República. Pode até ser considerada politicamente ilegítima. Por isso, a disputa eleitoral final tem de ser a duas volta para expurgar as dinâmicas partidárias e é desejável que seja entre Jorge Carlos Fonseca e Aristides Lima. Eleições presidenciais não são eleições partidárias, ao que os partidos deveriam deixar correr os candidatos e estes não podem pensar que, tendo máquina partidária, as coisas ficarão resolvidas e/ou que só por isso já ganharam ou que vão ganhar. É obrigação constitucional que o presidente da República seja de todos os Cabo-verdianos, independentemente do voto de cada um, da posição confessional e filiação partidária de cada eleitor. No nosso sistema, os partidos não têm candidatos às eleições presidenciais. Eles provêm da sociedade civil e devem ser candidatos do povo. Pelo menos assim deveria ser. A ostentação exagerada da bandeira partidária enfraquece as candidaturas, embora em Cabo Verde a sua presença é determinante. Os partidos devem limitar-se a apoiar candidaturas. Interferência política ostensiva dos partidos nas eleições presidências pode escrutinar o próprio sistema político, deixando dúvidas, nesse caso, se os líderes do MpD e do PAICV não desejam, a esse propósito, lançar o debate sobre o sistema político e constitucional, visando substituir o actual semi-presidencialismo de base parlamentar para presidencialismo de base partidária, com drásticas reduções dos poderes do parlamento, como acontece na maioria dos países africanos. José Maria Neves é líder de um partido que tem vocação presidencialista e Carlos Veiga, ao ignorar e/ou mesmo destruir a pluralidade concorrente interna no MpD, alinha o seu pensamento com o de José Maria Neves, sinalizando que prefere um MpD presidencialista ao invés de um MpD parlamentarista, com consequência gravosas tanto nestas eleições presidências, como nas próximas eleições autárquicas. Pode dizer-se que os dois líderes pretenderiam ver o poder em Cabo Verde concentrado num único homem à semelhança do que querem fazer nos seus respectivos partidos. Deram esta impressão durante a ultima revisão constitucional e durante o debate para as legislativas e quase que num sopro de reserva de lugar, um acusava o outro de uma eventual intenção oculta de concurso para as eleições presidências. Um dos dois tinha essa intenção oculta. As coisas não correram de feição porque o sistema parlamentar, que deu já provas de maturidade, em Cabo Verde, parece chocar-se, frontalmente, com as veleidades presidencialistas, tanto do PAICV, como do MpD. No decurso do último processo de revisão da constituição, as duas lideranças acordaram, tanto pelo reforço dos poderes do presidente da República, como pela atribuição de um terceiro mandato de seis meses ao actual titular do cargo, como argumentário para a separação de eleições presidências das eleições legislativas. O que queriam era espaço de tempo suficiente para serem eles candidatos as eleições presidenciais. Se o problema era evitar contágio e pressão partidária das legislativas sobre as eleições presidências porquê que não se decidiu pela realização das duas eleições no mesmo dia. Poupava-se muito em economia eleitoral. Isso não aconteceu porque tanto Carlos Veiga como José Maria Neves quiseram que assim não fosse. A estratégia montada pelos dois lideres aponta para a presidencialização dos partidos e sem sombra de dúvidas para a” presidencialização” do regime e quiçá do sistema político. Assim sendo, as próximas eleições presidências tem de ser a duas voltas. É muito difícil acontecer que qualquer um dos candidatos as vença à primeira volta. Jorge Carlos Fonseca tem desafios adicionais de evitar que estas eleições presidências sejam primárias para a liderança do PAICV, fazendo tudo para passar à segunda volta, eliminando um dos candidatos saído da esfera do PAICV e evitando o risco de a segunda volta venha ser entre os dois candidatos do PAICV. A tarefa é ingente. Não se pode perder mais tempo e não se trata de brincar as presidenciais, como a bem pouco tempo o MpD andou a brincar às legislativas, com graves consequencias para a boa governação do país. De contrário José Maria Neves mataria dois coelhos com uma só cajadada: elegeria um presidente da Republica e encontraria o líder que o substituirá na liderança do PAICV. Um partido, como o PAICV que todos nós conhecemos, ainda por cima no poder e com a renovada força que decorre da vitória das últimas eleições legislativas, dificilmente se dividirá, por causa das eleições presidenciais. O surgimento das duas candidaturas no seio do PAICV resulta de um jogo estratégico multivariado e complexo, onde o PAICV se revê bem no seu papel de partido politico e o MpD corre o risco de ser empurrado para a margem, porque decidiu, por razões meramente internas, fazer jogo com a bola do adversário.

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