quinta-feira, 14 de abril de 2011

As eleições directas nos partidos políticos em Cabo Verde.


Nos últimos anos, por influencia da democracia americana, os partidos políticos, na Europa, em Portugal (PS, PSD e CDS) e em Cabo Verde (MpD e Paicv) adoptaram o modelo americano nas eleições dos seus lideres nacionais, regionais e locais, fazendo com que estes fossem eleitos, directamente na base, pelos militantes. A adopção dessa medida permitiu a minimização estrutural do princípio de selecção que, normalmente, se expressa nas organizações através do percurso e mérito dos seus membros. Substituiu-se a liderança assertiva pela liderança intuitiva e, em certa medida, manipuladora ou manipulável, exercida em nome dos militantes. Por via de regra o líder partidário acha-se sempre em nome dos militantes, mesmo quando viola os seus direitos fundamentais, cortando-lhes o caminho, embora todo líder partidário que se preze, deveria fazer tudo para que o seu partido seja um acérrimo defensor do bem comum e por isso deve agir sempre em nome de todos os militantes, porque não pode, em tese e por imperativos que decorrem da representação democrática, agir apenas em nome de alguns. Deve mesmo evitar passar essa imagem. Em Portugal, o CDS, na sua última reunião magna, acabou por suprimir as directas dos seus estatutos. A decisão teve razão programática de fundo. A mesma resultou, segundo parece, da consciência política que tende a ganhar espaço e fazer escola em relação a uma sociedade que, em transição, tem vindo a construir um novo espaço de expressão cívica, que alguns proeminentes sociológicos apelidam de “espaços de expressão cívica pós partidário”, onde, por um lado, a apetência pela contestação aos partidos é muito elevada e, por outro lado, essa mesma apetência, por contraposição, obriga que os partidos sejam organizações estruturadas, fortes e estáveis. Nesse contexto parece óbvio que a tendência para personificação dos partidos, em razão de eleições directas, na base pelos militantes, além de, segundo parece, conflituar-se com a consciência de miltancia partidária, parece retirar força à instituição partidária e a torne mais vulnerável, mormente em países onde sistema politico é de base parlamentar. A melhor formulação que a esse respeito os partidos poderiam adoptar, conquanto legítimos guardiões desse novo espaço, deveria ser aquela que permitiria endossar paradigmas na perspectiva de enquadramento dessa nova realidade social, privilegiando os seus órgãos coligias na construção da sua narrativa, reflectida num estilo de liderança assertiva, que resultasse, adicionalmente, na coerência política dos membros que, no seu cojunto, constituem os órgãos e nunca assentar a narrativa sobre os ombros de uma única pessoa. Não me parece existir outro caminho que não seja aquele que aponta para a mudança de paradigma em relação às directas nos partidos, pois não se pode, em nome da legitimidade directa, subverter as regras do jogo politico interno fundamentais para a vida nos partidos. A intenção da medida é boa mas as suas consequências são nefastas para os partidos, especialmente na formulação dos processos. Em regime de base parlamentar, o líder partidário deve sair dos órgãos. Deve ser eleito nos congressos ou nas convenções nacionais e não directamente na base pelos militantes. A nossa pluralidade estriba-se nos partidos e por conseguinte ela tem de ser exercida pelos partidos, que na sua diversidade de princípios garantem a viabilização dessa mesma pluralidade ao nível da sociedade. No caso de Cabo Verde os dois partidos, MpD e Paicv, acabaram por estatuir tal medida adoptando-a nos seus respectivos estatutos. Desde que fora instituída essa norma, pelo menos duas rondas eleitorais internas fizeram-se já sentir em ambos os partidos. José Maria Neves já foi, segundo parece, por duas vezes, eleito, directamente, pela base dos militantes do Paicv. Jorge Santos e Carlos Veiga foram, ambos, eleitos directamente pela base. Teria eu comentado, com os colegas do partido, na altura da adopção de tal medida, que a injecção desse princípio nos estatutos do MpD aportava riscos futuros, caso tal medida não fosse conjugada com outras medidas complementares, designadamente as que reforcem a unidade de comando, porque no dia em que o MpD pudesse contar com líder carismático, corria-se o risco de ele fazer recurso a legitimidade directa para se sobrepor ao partido e fazer dele o que bem entender. Contra tudo e todos. A minha dúvida foi suscitada quiçá pelo facto de a ideia ter sido trazida do exterior. Não resultou de um conhecimento, previamente, estudado e observado estribado na evolução da sociedade cabo-verdiana. Resumiu-se numa transposição “estrito senso” de tal principio para o ordenamento partidário nacional, sem que se tenha em consideração as suas consequências para a vida interna dos partidos, nomeadamente para a sua regeneração democrática e para a qualificação dos seus processos internos, visando o reforço do seu quadro e prestígio organizacionais. Na minha opinião, as eleições directas constituem hoje em fonte de desordem nos partidos, pelo menos no MpD, pois parece que as mesmas não estão a ser bem usadas a favor da unidade e coesão internas e nem se quer os seus objectivos estão alinhados com os cuidados e prudências a ter-se em conta na defesa dos interesses legítimos dos militantes, enquanto tal. Os militantes, depois de escolherem o líder, perdem total controlo do partido. A nenhum líder deve ser dada faculdade de impedir o controle do partido, através dos órgãos representativos dos militantes formados nos congressos ou em convenção. Os militantes porque têm obrigações, também têm direitos que devem ser respeitados porque consagrados estatutariamente e são a força primordial do partido e, por isso, não podem ser, no partido, ignorados ou trocados por quaisquer outros membros da sociedade cvil, sem um rigoroso escrutunio, pois não se pode aceitar a ideia de que aquele ciddão que decide não exercer militancia partidária, é enquanto cidadão e só por isso, melhor que o outro que é membro de um determinado partido. Tal ideia não é rigorosa, pois conflitua com o principio de que exercer militancia partidária é aboslutamente digna, por ser, também, uma forma de exercicio da cidadania. É por isso que o partido que não consegue mobilizar os seus militantes, dificilmente mobilizará os eleitores a ponto de ganhar as batalhas eleitorais. O MpD deve, no futuro, rever tal situação, pois as directas estão a exercer, hoje, uma pressão anormal sobre a vida do aparelho partidário, esbatendo a ideia progressista que determina a formação, a estruturação e o respeito pelas elites dirigentes que se formam com muito custo ao longo do tempo, fazendo com que se exponha as suas debilidades organizacionais. As eleições directas agravaram o quadro de oportunismos e imaturidade política interna. E isso está em conflito com a credibilidade do próprio MpD, quando este disputa a governação do país. Basta pensarmos que um determinado partido possa mandar infiltrar seus membros no outro, derrubando-o por dentro. Tenho hoje sérias dúvidas que isso não esteja a acontecer no MpD, tendo em conta que se pôs-fim a função de verificação e de controlo internos, designadamente no recrutamento de novos militantes. Hoje qualquer candidato a líder, a primeira coisa que ele faz, num processo de competição interna no MpD, é o recrutamento de novos membros, passando por cima de todos os outros que, com direitos consagrados, estão no partido há mais tempo, desvalorizando completamente a função de militância, como se isso fosse algo de perverso e pernicioso para a sociedade. Até as vésperas das directas, no MpD ainda se recrutam novos membros, o que tornam as eleições internas num "problema politico". Acabaram-se a estabilidade ao nível dos processos na formulação das lideranças relativamente aos processos para a competição interna. Qualquer um pode chegar, é imediatamente feito militante e pode, no dia seguinte, aspirar, de forma ilegítima, pertencer os órgãos nacionais, regionais e locais ou, se quiser, poderá concorrer para líder do partido, sem observância de quaisquer regras. Esta tem sido uma das questões de entre muitas que estão a destruir o MpD. O jogo nos processos parece influenciar aqui o jogo do conteúdo. Esses novos militantes, por que sem conhecimento da forma como funciona o partido, acabam por ocupar espaço dos antigos por via da adulação do líder, formando-se em lebres na perseguição politica dos militantes mais antigos. É assim o jogo. E é por isso que o MpD já mudou de liderança 6 vezes, enquanto que o Paicv mudou apenas três. A ideia de que o melhor líder é aquele que foi eleito directamente na base pelos militantes é falaciosa. Por outro lado, notamos que os debates e as moções deixaram de ter sentido político prático por causa das directas. Os congressos nacionais ou no nosso caso a convenção nacional passou a ser um desperdício de tempo e de recursos. O medo tomou conta dos militantes: todos com medo de todos e do líder. As listas passaram a não observar o princípio da equidistância dos interesses pessoais. Não são escolhido os melhores para os órgãos nacionais, porque deixou-se de ter em consideração o principio de selecção democrática e plural na formulação dos processes. No nosso caso, as directas permitiram uma banalização do próprio partido, do ponto de vista organizacional, porque se banalizou o papel dos seus órgãos colegiais e perdeu-se fio à meada aos fluxos informacionais do partido. E sem a informação não existe poder. As directas fizeram com o que o MpD se tornasse instável e institucionalmente mais frágil e o líder, as vezes injustamente, visto como órgão sozinho e como ninguém se pode constituir-se em órgão sozinho acaba por formar um circuito de conselheiros que funciona paralelamente aos órgãos estatutários, introduzindo vícios de forma nos processos de decisão, difíceis de serem ultrapassados. Esses conselheiros actuam de forma ilegítima, prejudicando o interesse do próprio partido. Acabam por destruir as dinâmicas que se formam no partido. O líder eleito directamente na base pelos militantes conta apenas com a quantidade dos votos expressos e como sugere as derivações de Maxwel a liderança cuja fonte de legitimidade tem como único pressuposto a dimensão quantitativa dos votos expressos, tende a ser exercida de forma intuitiva e autoritária e, como se sabe, a liderança autoritária favorece a manipulação. A dimensão quantitativa dos votos gera, por um lado, legitimidade democrática, mas a sua dimensão qualitativa gera, por outro lado, a dimensão qualitativa dessa mesma legitimidade. A democracia para que o seja precisa de aportar esses dois atributos, designadamente o atributo quantitativo e qualitativo, sem os quais se torna inviável a construção de uma liderança democrática, assertiva, forte e duradoira. O MpD, por ser um partido, que por sua natureza fundacional, deveria preocupar-se em federar tendências, acaba por ser o partido cabo-verdiano que mais sofreu e sofre com as consequências das directas, ao que defendo a sua supressão dos estatutos na próxima Convenção, e no seu lugar defendo a recuperação do princípio "parlamentar" da representação indirecta. Isto é: que os órgãos executivos uninominais prestem contas aos órgãos colegiais, donde resultam as respectivas legitimidades. Não cabe aqui fazer uma análise comparativa do efeito das directas no MpD e no Paicv. Mas não devemos ter ilusões. O Paicv, pelo seu passado, sofre menos com as eleições directas dos seus líderes. Detêm uma estrutura mais fechada e rígida, com muitos mitos à sua volta e a liderança do Paicv mesmo quando autoritária alinha de forma quase perfeita com a natureza rígida do seu próprio aparelho e é aceite de forma unânime pelos militantes. Mais: ser-se autoritário no Paicv não é novidade, mas no MpD pode ser desastroso. Nós somos um partido sem mitos, por isso o nosso quadro é diferente do quadro do Paicv. O Paicv traz, na sua história, um amplo currículo de resistência, incluindo as impostas pelas derrotas eleitorais e, como tal, dificilmente, sofre com abanões autarcitas que resultam do exercício de um tipo de liderança intuitiva, manipulável e autoritária, em resultados das directas. Não quebra, com isso, a cadeia de unidade de comando, nem o principio da coerência na formulação da sua narrativa, ou o elementar princípio de obediência civil e política dos militantes em relação ao líder – conquanto forma de se combater as dissidências orgânicas, porque assume com clareza a missão e o princípio de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para defender os interesses dos seus militantes, respeita-los, enquadra-los e mantê-los motivados e unidos em torno das grandes causas do partido que é, no fundo, o exercício do poder político. No MpD isso não acontece. Talvez seja essa a diferença e é por essa razão que defendo que na próxima Convenção do MpD, deveríamos recuar nas eleições directas, suprimindo-as dos nossos estatutos





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