domingo, 7 de novembro de 2010

Cabo Verde não sabe lidar com a diáspora



O deputado do MpD, eleito pelo círculo da emigração, é o rosto de um pacote legislativo para a diáspora, avançado pelo Movimento para a Democracia, e que teve o primeiro projecto-lei aprovado por unanimidade no parlamento.

A questão é delicada e vai exigir um trabalho de fundo, porque, como refere o parlamentar, os que escolheram viver no estrangeiro têm de sentir-se protegidos pelo país de origem. Os problemas que os emigrantes enfrentam são muitos e têm de ser resolvidos. Cabo Verde só terá a ganhar, na opinião do deputado, com um consenso nacional na procura dessas soluções. Um dos primeiros passos é a autonomização do Conselho das Comunidades.

O que é o Conselho das Comunidades?

O Conselho das Comunidades é uma reivindicação antiga dos emigrantes que surgiu há muito tempo. Com a abertura política de 90 e com a constituição de 92, o país melhorou o nível de representação da diáspora no parlamento, aumentando para seis o número de deputados, além de ter também possibilitado o voto dos emigrantes nas eleições presidenciais.

Já nessa constituição se reconhece também que a nação cabo-verdiana extravasa o território nacional e portanto, o sistema constitucional tem também de enquadrar aqueles que não residem no país, que são até em número superior, 2/3 da população cabo-verdiana reside fora do território nacional, e como tal não fazia sentido que a própria constituição não levasse em conta a integração dessas pessoas, desses cerca de um milhão de pessoas, distribuídos por vinte e cinco países.

E a diáspora também reagiu: realizaram-se vários congressos de quadros, com as conclusões a servirem para definir as políticas públicas para a emigração. E o primeiro congresso sugeriu a criação deste conselho das comunidades, porquê? Porque temos uma história de boas relações com o exterior, com todos os países onde residem cabo-verdianos, e não fazia sentido que as missões diplomáticas, os nossos embaixadores, colocados nesses países andassem, em termos politicos, de costas voltadas para essa comunidade. Devem acompanhar de perto o desenvolvimento de políticas públicas dirigidas à diáspora, tanto no que se refere à integração local, ao nível do país de acolhimento, como à nivel de integração no país.

A melhor estrutura para isso seria então o apoio no movimento associativo para conferir à comunidade uma organização que pudesse participar e cooperar com as instituições públicas e dessa dinâmica surgiu a ideia do conselho das comunidades, que aliás, existe em vários países tradicionalmente de emigração, como Portugal e Espanha, que assim organizam a sua diáspora, também.

Este conselho teria então por objectivo estar em redor das embaixadas, ter uma ligação directa com o embaixador, para que este pudesse ter informações sobre a comunidade, e a partir disso desenvolver o que chamámos de ‘circuito de influências positivas' a favor da integração local dos cabo-verdianos e da integração da diáspora no país.

São dois blocos, no fundo.


São dois blocos, sim, que teriam de estar a complementar-se. Portanto, a integração no país de acolhimento e a integração em Cabo Verde. Esse circuito positivo seria criado com a tutela do estado, tanto na influência das novas gerações de cabo-verdianos, como na protecção das comunidades, como na dinamização cultural como pilar essencial da integração da nossa comunidade na diáspora.

Os cabo-verdianos sempre se afirmaram através da sua cultura, logo faria todo o sentido que este conselho existisse, permitindo esse desenvolvimento cultural.

Temos uma rede de associações cabo-verdianas no xterior, essas associações, e isto é outro dos projectos que temos: a nossa intenção vai no sentido de as ver reconhecidas pelo estado de forma a poderem produzir a vontade cívica dos cabo-verdianos na diáspora e assim serem a fonte de legitimação democrática para a constituição do conselho. Irão eleger os conselheiros das comunidades que darão origem a esses conselhos consultivos que funcionarão em cada um dos países de acolhimento. Daí resultaria o conselho das comunidades, em Cabo Verde que será um órgão deliberativo, de aconselhamento, mas um aconselhamento vinculativo, sobretudo em relação às políticas que têm a ver directamente com a vida das nossas comunidades. As suas conclusões, as suas opiniões, os seus pareceres e os debates, devem ter um carácter vinculativo em relação às políticas públicas, desenvolvidas pela tutela do estado e concretamente pelo governo.

Ou seja, sempre que houver alguma legislação para a diáspora, o conselho será sempre ouvido.

Exactamente. Portanto, o conselho será um instrumento fundamental. Penso que a próxima legislatura vai ser uma legislatura para a diáspora, para a integração plena dos nossos emigrantes, porque vamos instituir tantos os conselhos consultivos como o conselho das comunidades, e vamos criar condições para criar um instrumento, que vai trabalhar com o estado, e que jamais possa ser partidarizado, será sempre autónoma e independente.

Cuja preocupação é apenas com a diáspora.

Certamente, será uma preocupação transversal à sociedade e às instituições da república e como tal tem na sua missão desenvolver políticas públicas definidas para a nossa diáspora, mas numa atitude puramente de estado, na próxima legislatura penso que será então conseguida essa integração e que o país sairá a ganhar.

Os problemas que os emigrantes enfrentam

Falou há pouco das preocupações da diáspora. Como deputado eleito pelo círculo da emigração que tipo de problemas mais lhe são expostos?
Às vezes as pessoas dizem que são preocupações banais, mas têm muita importância. Por exemplo, quando os cabo-verdianos levantam questões sobre as alfândegas, naturalmente que as alfândegas representam um ponto fundamental para a integração. Se as alfândegas criam dificuldades aos emigrantes, a sua integração no país fica dificultada, por isso é que estão sempre a reclamar medidas que removam essas dificuldades. Muitas vezes ouço: "baixem, por favor, os emolumentos alfandegários", no fundo, liberalizem as alfândegas. Veja, nós pertencemos à Organização Mundial do Comércio, estamos a permitir que cidadãos estrangeiros possam transaccionar em Cabo Verde com toda a liberdade, não faz sentido impedir que os nossos cidadãos não possam ter acesso ao seu país, ao seu mercado, no fundo, por via da remoção dos obstáculos alfandegários, por isso os emigrantes reclamam e têm razão.
A segunda reclamação, que também parece banal, tem a ver com o custo das passagens para Cabo Verde. Não é banal. Nós somos um país insular, não se chega cá de qualquer maneira, tem de se ter dinheiro para comprar o bilhete e vir de avião ou de barco, não há outra solução. Não se pode vir de carro, não temos ligação a nenhum continente, e o que fica mais perto está a 500 quilómetros, portanto, não faz sentido dizer que essa reivindicação é banal. Eu concordo com o presidente do MpD quando ele sugere a liberalização completa dos céus de Cabo Verde, de forma a entrarem cá mais companhias aéreas e essa concorrência vai permitir a redução dos preços.
Outra reivindicação tem a ver com a forma como são tratados no país. Reclamam muitas vezes que não são bem tratados, ou seja, como não residem no país, fazia todo o sentido haver uma discriminação positiva para quem não reside em Cabo Verde mas que dá uma grande contribuição para o desenvolvimento do seu país.

Que tipo de discriminação positiva?
Por exemplo, muitas vezes o emigrante só tem trinta dias de estadia, e aproveita para legalizar um terreno, ou pagar um imposto, e não o consegue fazer porque não domina os circuitos administrativos do país, e regressa sem resolver os problemas. Por isso é que no pacote de medidas sugerimos a criação de um balcão único para os emigrantes. Sabemos que pode ser uma medida temporária de discriminação positiva.

E até pode ser sazonal, se calhar não precisa de estar aberto todo o ano.
Pode ser sazonal, mas a verdade é que o emigrante ficaria muito mais bem tratado se chegasse a Cabo Verde e pudesse resolver os seus assuntos. Faz todo o sentido que essas reivindicações sejam levadas em conta pelo país. E isso não exige nenhuma medida legislativa de fundo, apenas vontade política de por a burocracia do estado a funcionar. Dar orientações concretas para passarem a tratar estas questões como prioritárias e fundamentais para o acolhimento daquele que não reside aqui. E que não reside aqui por uma série de razões, porque foi á procura de melhores condições de vida, porque foi estudar e ficou, essa razão não interessa, a verdade é que assim que ele procurar o país o país deve acolhê-lo. O pior que pode acontecer a um cidadão que regressa é sentir discriminado no seu próprio país, há que assumir medidas que resolvam esta questão.

E outras reclamações?
A necessidade da cobertura da tutela do estado em cada um dos países de acolhimento. Nós temos representações diplomáticas, ou seja, embaixadas, consulados gerais, consulados honorários, mas ainda não temos um sistema, um modelo que dê efectivamente cobertura à nossa emigração, e ela reclama do abandono do estado, os jovens reclamam que estão abandonados. Por exemplo, enquanto que em Cabo Verde a educação é considerado um instrumento de mobilidade social para o sucesso futuro dos cidadãos, a nossa diáspora, por vezes, nem leva isso em consideração. O índice de abstenção educativa na nossa diáspora é profunda, mesmo aquela que se encontra nos países desenvolvidos. O curioso é que estão nos países desenvolvidos a viverem à margem da sociedade de acolhimento. Então, temos de dar uma ajuda à nossa comunidade e o estado deve reflectir, em profundidade, sobre estas questões, porque estas pessoas fazem parte do todo nacional, estas pessoas não podem ser colocadas à margem eternamente. Nem nós podemos fingir que isto não acontece. Por isso eu acho que o parlamento terá uma acção fundamental, é no parlamento que as coisas devem acontecer, a protecção da nação deve começar aqui. Se o parlamento conseguir construir um consenso é evidente que poderemos integrar a nossa comunidade e o país ganhará com isso.

Uma política global para a emigração

Fala de uma política global, ainda não há medidas que unam a diáspora a Cabo Verde?
Eu penso que não existe ainda o modelo. Temos a consciência que o nosso país é novo, há coisas que nos escapam ainda, e uma delas é o modelo da relação com a nossa diáspora. Não existe. Precisamos de construir esse modelo e uma sugestão que eu faço é que esse modelo seja produzido num quadro de independência e autonomia dentro do aparelho do estado. E nós não podemos ter a questão da emigração a depender de outros sectores e a não ser considerada como uma questão transversal à sociedade e à administração pública central e local. Tem de fazer parte da legislação do país, como elemento aglutinador fundamental. Para que efectivamente possamos ganhar a batalha da integração da nossa diáspora. Se nós exigimos que os nossos emigrantes sejam bem integrados pelos países de acolhimento, não poderemos deixar de o fazer cá dentro. Temos problemas que surgem nas comunidades e que afectam o país, como os deportados, e se não agirmos junto com a nossa comunidade esse aspecto negativo chegará cá, e nós não temos possibilidades de enfrentar cá todos os problemas surgidos na nossa diáspora porque eles têm uma característica muito específica, são problemas surgidos em vários países ao mesmo tempo, os problemas nos Estados Unidos da América não são iguais aos de Portugal, ou de São Tomé e Príncipe, ou de Angola, ou de Espanha, todos são diferentes.

E que modelo seria esse?
Por acaso ensaiamos esse modelo no pacote legislativo, falamos num alto comissariado para a diáspora que resultasse do consenso parlamentar. Por duas razões, primeiro porque a emigração pode ser encarada bilateralmente, com os países de acolhimento, mas também multilateralmente e um alto comissariado servia esta última. Podemos trabalhar com o alto comissariado nas Nações Unidas para resolver problemas das nossas comunidades em São Tomé, ou na África subsaariana no geral e podemos trabalhar com outras agências da ONU junto das nossas comunidades nos países desenvolvidos para integrarem o processo de desenvolvimento e ao mesmo tempo contribuírem para o desenvolvimento de Cabo Verde. Por exemplo, através da colocação cá das suas poupanças. Dinheiro que pode servir para financiar a economia cabo-verdiana e a criação do emprego. Por isso, o alto comissariado serviria para promover essas relações bilaterais e multilaterais, tendo em conta que quase todos os países com tradição de emigração têm uma figura específica para o sector. E tem de ser o resultado de um pacto de regime, deveria resultar de um consenso trabalhado, de forma que pudesse ter força suficiente para intervir a favor da nossa diáspora, onde quer que ela esteja.

No projecto-lei falam também da questão do reconhecimento devido aos emigrantes. Quer dizer que ainda não há?
Nós ficamos aquém desse reconhecimento. Acho que se nós conseguirmos aprovar todo o pacote vamos dar um passo importante para esse reconhecimento pleno. Há dias víamos a estatística das remessas dos emigrantes e só na Cidade da Praia, nos últimos dez anos, foram colocados quase 17 milhões de contos, e falamos só de transferência líquidas.

Sem contar com os investimentos ...
Fora os investimentos indirectos, fora as subvenções directas transferidas para as famílias. As transferências líquidas, para o PIB, representam 10/12 por cento, mas em termos da contribuição global ultrapassa os 25 por cento. Temos de reconhecer, em primeiro lugar, que esse recurso existe e que é fundamental para o desenvolvimento de Cabo Verde. Depois, temos de permitir o seu crescimento. E temos sinais positivos que havendo um programa de integração ele crescerá, por isso também temos no pacote de lei a figura do emigrante investidor, porque consideramos que esta contribuição deve ser tratada como discriminação positiva.

Porque?
Porque são cidadãos cabo-verdianos, que quando chegam ao país trazem também divisas, muitas vezes iguais aos investidores directos estrangeiros. Portanto, não faz sentido darmos um tratamento distinto a um investidor estrangeiro e não dar um tratamento distinto ao cidadão emigrado que traz o mesmo montante, muitas vezes na mesma moeda. Daí defendermos este estatuto do investidor emigrante. Vou dar um exemplo, encontramos na nossa comunidade muitas reclamações em relação à aquisição de terrenos, e os nossos emigrantes fazem uma observação lapidar, se querem comprar um terreno na Boa Vista têm de o comprar a um estrangeiro, de facto não faz sentido. Um cidadão nacional não pode chegar aqui e não ter acesso a terrenos para construir a sua própria casa ou criar o seu próprio investimento. Encontramos muito essa reclamação, de terrenos que foram vendidos para a especulação imobiliária, que encare as propriedades. Outra questão é a poupança. Com a crise, os países estão à procura de poupanças. Porque não adoptamos medidas para atrair esses depósitos de cidadãos cabo-verdianos que vivem fora do país?

Encorajar os bancos a terem taxas de juro especiais para emigrantes, por exemplo?
O estado subvencionava a taxa de juro dos depósitos a prazo dos emigrantes, mas deixou cair essa medida. Parece-me que seria sensato e inteligente recuperá-la. Em vez dos cabo-verdianos reformados colocarem as suas poupanças em bancos no estrangeiro poderíamos dar-lhes um conjunto de incentivos para as terem cá. E haveria outro lado, fundamental, que seria estarmos a promover o regresso livre dos cabo-verdianos ao país. E esse regresso traria outra vantagem, vinha também o know-how adquirido nos países onde trabalharam, um conhecimento que entraria sem custos, porque seria um indivíduo que teve sucesso profissional e que poderia ensinar os jovens que estão em Cabo Verde e sobretudo a sua posição social na comunidade introduziria também um factor de estabilidade demográfica e social da nossa juventude, demonstrando que é possível viver os nossos sonhos.

Seria um factor de experiência num país essencialmente jovem.
Exactamente. Portanto, ganharíamos em várias dimensões se criássemos um estatuto específico. Mais, podíamos até pensar na criação de zonas francas para os nossos emigrantes, porque não? Atrairiam mais investimentos, de certeza. Estou convencido que o milhão de cabo-verdianos que residem no estrangeiro, 2/3 deles em países desenvolvidos, se pusessem aqui as suas poupanças dava um instrumento importante ao país para o seu crescimento económico.

Diáspora como lobby a favor de Cabo Verde

É a tudo isso que se referem quando falam de um circuito de influência global à volta do estado?
Defendo esse circuito e que o estado deve ser necessariamente forte para promover esse circuito global. Seria constituído pela sociedade civil. Veja-se o caso de Israel, que promove esse circuito de forma notável, acaba por influenciar as políticas públicas de países de acolhimento da sua diáspora. O estado de Israel é pequeno mas forte e tem esse circuito de influência à escala mundial, toda a gente reconhece e sabe que existe e que beneficia o território israelita.

E as comunidades espalhadas pelo mundo também.
Naturalmente, e nós podemos copiar o mesmo modelo. Não vamos aqui inventar a roda, já existe um modelo que funciona porque não copiá-lo? E sairíamos a ganhar.

Pegando no exemplo israelita, e estou a falar da sua relação com o exterior, seria quase como criar um lobby da diáspora, lobby no sentido positivo da palavra.
A questão do lobby cabo-verdiano no exterior foi já muito discutido no seio da comunidade. Eu aconselho a utilizarmos o termo circuitos de influência positiva. Porque se falarmos de lobby temos uma reacção dos concorrentes dos cabo-verdianos nesses países e nós temos de treinar os cabo-verdianos para fazerem esse lobby, e treiná-los tem a ver com a educação, qualificá-los. Temos de qualificar a nossa diáspora para no futuro construir esse lobby. Com a globalização o que interessa são os indivíduos, as comunidades organizadas, o saber, a inteligência. Se o nosso interesse é desenvolver o nosso país, então faz sentido apontar nesse sentido. As lideranças nacionais devem conduzir os cabo-verdianos nesse caminho, do desenvolvimento sustentável do nosso território. E esse circuito de influência pode ajudar se for bem constituído, bem treinado e bem trabalhado. E consolidar assim para a nossa independência económica, política e cultural. Portanto, circuito sim, lobby sim, mas devemos treinar também a nossa gente, fazer com que a nossa diáspora consiga resultados em termos de qualificação, para que não vivam à margem das sociedades de acolhimento.

É preciso agilizar processos, certo?
Sim, acho que ainda andamos muito devagar. Se formos capazes de transferir aquilo que a nossa comunidade acumula lá fora, o património material e imaterial que junta, o país em menos de dez anos dará um salto enorme. Existem conhecimentos na nossa diáspora que o nosso país não está a aproveitar, porque não está organizado de forma a absorver esses saberes. Porque 2/3 da nossa diáspora sabe que é bom viver num país desenvolvido, sabe o que é qualidade de vida. Temos é de preparar o estado para esse contributo. Não podemos perder o mínimo que seja de conhecimento dos nossos emigrantes, nem impedir que entre no nosso país.

Quando falam na consciência cívica da diáspora, e interpreto isso como uma mensagem para dentro, é uma tentativa de mudar as mentalidades de quem ficou em relação a quem partiu?
Naturalmente. Somos um país de emigração e existem preconceitos que devem ser ultrapassados. Na nossa diáspora temos gente que conseguiu sucesso mas temos gente que não o conseguiu, que se sente envergonhada, que tenta esconder-se do nosso país, e nós devemos desenvolver um mecanismo de solidariedade intensa para com os menos afortunados, ir de encontro ao cabo-verdiano que não teve sucesso.

Para que ele também saiba que pode regressar?
Para que ele saiba que pode regressar se quiser, e que será bem acolhido.

E quem financia esse acolhimento?
Os que têm sucesso. Podiam financiar, directa ou indirectamente, o acolhimento dos cabo-verdianos que não tiveram sucesso.

Uma questão de solidariedade social?
Nem mais. Por isso é que o estado deve organizar o país de forma a responder a esse desafio. O próprio insucesso cria um sentimento de auto-preconceito. Como eu digo, ninguém quer emigrar do seu país, sente-se forçado a fazê-lo. Quando emigra vai com o compromisso próprio de ter sucesso. Chega lá e não consegue, muitas vezes porque desconhece a realidade para onde vai, ou porque o país não o soube informar.

Ninguém deve emigrar sem informações prévias

Essa questão da informação prévia também terá de ser resolvida.
A informação prévia é fundamental. Porque a probabilidade de sucesso também depende do que se sabe antes de dar o passo de sair do país. Veja, os cabo-verdianos, muitas vezes, passam anos no processo de integração, mas a vida é muito curta. Podemos emigrar com 25 anos, passar uns dez ou vinte no processo de integração, e depois aos 45 anos já não consegue ter uma vida e passa para aquela percentagem de cabo-verdianos que não teve sucesso, é complicado. E a esses, eu defendo que o país deve ir atrás deles. Temos esses sinais, por exemplo, em Portugal, quando percorremos os bairros. As relações entre os dois países são excelentes, e eu acho que parte da cooperação devia ser orientada para a integração, para a solidariedade dos cabo-verdianos que lá residem.

Muitas vezes há um afastamento da sociedade de acolhimento, porque esta também não quer saber de quem chega de fora.
Sim, há uma ausência de políticas. Se não houver políticas integradoras acontece o que se vê em bairros em Portugal, em França. Tem de haver a noção de uma mão amiga do estado cabo-verdiano. Ou seja, temos de fazer alguma coisa para não perdermos cidadãos, nomeadamente os que precisam de nós, do nosso apoio. Quem deve promover isso? O estado, as políticas públicas, fazer com que quem pode mais seja solidária para quem não pode. Somos um micro-estado, mas podemos ser fortes.

A autonomia do Conselho das Comunidades

A questão da autonomização do conselho das comunidades, era fundamental?
Naturalmente, por exemplo, no projecto desenhámos um formato de ligação do conselho ao estado, e não temos qualquer problema a que o governo presida o conselho, quando estiver reunido. Entretanto, o conselho tem de ser um reduto da vontade cívica da nossa diáspora, uma entidade totalmente autónoma e independente, capaz de decidir.

Em relação a essa independência, esse organismo supra-partidária, os deputados eleitos pela emigração quiseram também dar o exemplo ao concordarem todos com este projecto?
Este é um assunto que deve unir-nos a todos. A emigração não quer que haja essa divisão. Quando falamos de partidos na diáspora as pessoas dão menos atenção do que quando falamos do país. Os cabo-verdianos querem boas notícias do país, querem ouvir falar de Cabo Verde. Daí não me cansar de falar em consensos, não temos de levar uma mensagem estritamente partidária. Há questões que são redondamente supra-partidárias, e a emigração é uma delas, sem dúvida. Veja-se a revisão constitucional, agora a discussão sobre a justiça, conseguiu-se construir um consenso, então vamos fazer a mesma coisa em relação à diáspora.

Agora é necessário passar à prática, em termos temporais, têm algum horizonte para o pleno funcionamento deste projecto-lei?
Tencionamos que entre em vigor na próxima legislatura e ainda queremos apresentar o resto do pacote no final deste mês de Novembro. Queremos uma discussão tranquila, com tempo, e encontrar a melhor solução para termos o modelo que defendemos. Não esgotámos ainda as soluções. Quisemos dar um sinal para termos o debate e a seguir queremos ter o modelo. Por isso, vamos discutir este mês, talvez também no início de Dezembro, e queremos que entre em vigor na próxima legislatura.

Uma legislatura da diáspora?
Uma legislatura da integração da diáspora. Das conquistas da diáspora.

Portanto, quatro anos para que tudo esteja a funcionar como se quer?
Sim, e discutir a melhor solução. Dói imenso quando estamos a fazer a visita de círculo ver cabo-verdianos que nos passam a ideia que estão abandonados. Isso dói imenso. É muitas vezes gente que conhecemos e que pede a nossa aproximação, o nosso apoio. Por isso, temos de fazer esse esforço.

Que a décima ilha deixe de ser só uma frase.
Deixar os discursos e passar aos actos. É preciso que passe para além das palavras. E nós temos situações na diáspora, sensíveis, que precisam de uma intervenção rápida que só é possível se aqui, no país, nos organizarmos melhor. Sobretudo através do consenso, para que todos possamos falar da mesma forma. Podermos dizer ‘sim, senhor, o país tem esta solução, neste momento'. Poderá ser melhorada no futuro, mas agora existe esta. Queremos é que a nossa diáspora se aproxime do país, e criar também condições para aquele que resolver emigrar hoje, o faça efectivamente bem informado sobre a opção que toma. Não se admite que cabo-verdianos abandonem o país sem saber os riscos que correm, porque há riscos, ele pode ganhar como pode perder, portanto tem de ter a consciência disso.

Em Portugal as autarquias, por exemplo, têm, quase todas, gabinetes para auxiliar os emigrantes.
Acho que podemos fazer o mesmo, a experiência portuguesa pode ser-nos útil. Porque, quando regressam, os portugueses integram-se novamente no país. Nenhum emigrante regressa a Portugal e é-lhe atribuído uma chapa de matrícula verde. Aqui fazemos isso, é uma atitude discriminatória, temos de acabar com ela. E os emigrantes sentem isso, dizem-mo, ‘chego, o país dá-me uma isenção pata ter uma viatura, mas coloca-me também uma etiqueta, que desvaloriza, inclusive, a própria viatura', tem de ser abolido imediatamente, não faz sentido. Nós temos de aprender com os outros, em Portugal, Espanha, Itália, países de emigração, nada disso existe. Quando conferimos isenção a alguém é porque o estado considera que a medida que toma é positiva. O estado não pode depois etiquetar. Mais, a própria matricula está a expor o emigrante, e falo de segurança, porque um emigrante em princípio traz dinheiro, se vou estar a sinalizá-lo, estou também a expô-lo como possível vítima do crime. Portanto, por muitas razões devemos acabar com estas discriminações.

Abrir totalmente as fronteiras.
Abrir totalmente as fronteiras à nossa diáspora. Não vale a pena estar com medidas para impedir. Podemos ter medidas de controlo, de segurança, as que quisermos, não podemos é impedir um cabo-verdiano de transaccionar com o seu país. Esses são os desafios que temos de enfrentar e ultrapassar nos próximos tempos, para não perdermos gente, para recuperar a nova geração, de descendentes de cabo-verdianos que nascem nos países de acolhimento, que não estudam, que muitas vezes repetem as profissões dos pais, e isso não é bom para a imagem do país. Ainda temos medo da emigração, mas não devemos ter medo.



6-11-2010, 17:20:31
Jorge Montezinho, Redacção Praia

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