quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Texto de suporte do projecto de Lei sobre Conselho das Comunidades.

A Nação cabo-verdiana extravasa as fronteiras do território nacional, pelo que importa remover todos os obstáculos que têm impedido que a relação dos emigrantes cabo-verdianos com o país seja uma relação fluida, desenvolvida e de «terceiro tipo», baseada no princípio da não discriminação, da livre circulação de pessoas (entrada e saída sem quaisquer espécies de estorvos), de livre transacção económica, social, comercial e cultural, de molde a que, do ponto de vista institucional, se produzam novas visões e acumulem ganhos de qualidade na integração económica da diáspora no país, em reconhecimento da contribuição que a emigração vem dando ao longo da história para o desenvolvimento do país. Para tal, o Estado de Cabo Verde deve organizar-se em função dos superiores interesses deste, devendo fazer com que na sua orgânica esteja reflectida os mais difusos interesses dos seus cidadãos, quer residam no país ou no exterior.

À luz desta realidade, o Estado e as instituições da República de Cabo Verde devem apostar na construção de um circuito de influência global positiva à volta do Estado, envolvendo a sua sociedade civil, designadamente a consciência cívica da diáspora, orientado para o processo de desenvolvimento económico e social e a favor do desenvolvimento do seu território, devendo procurar integrar de forma dinâmica todos os seus filhos, independentemente do local, onde, em cada momento, residem, vivem, estudam ou exerçam uma actividade profissional, pontuando-se pela assumpção do princípio de que a Nação cabo-verdiana, extravasando o território nacional, deveria ser integrada, em primeiro lugar, através de estruturas próprias dentro do Estado de Cabo Verde e, em segundo lugar, exercido através das influencias recíprocas que se estabelecem em torno da sua intensa relação com as comunidades das nações e países que acolhem os nossos emigrantes.

Na verdade, Cabo Verde detém uma vasta diáspora espalhada pelo mundo. Trata-se de um “pólo” de desenvolvimento indispensável ao país. Sendo um dos poucos países do mundo cuja estrutura populacional, demográfica, social e comunitária interna, é inferior à sua população no exterior e situando-se na proporção de que, em média, por cada três Cabo-verdianos, dois residam na diáspora. Por outro lado, Cabo Verde enquanto país, projectou a sua imagem no mundo pela afirmação da sua população que se diasporizou ao longo da sua história. Enquanto país é globalmente influenciado pela emigração nos domínios económicos, sociais, políticos e culturais, podendo dizer-se que a emigração cabo-verdiana libertou o homem cabo-verdiano do “jugo” do poder colonial, do “jugo” do poder de partido único e das dificuldades da vida, sendo precursora da luta pela independência nacional, pela liberdade, pela democracia e pelo desenvolvimento sustentado de Cabo Verde e por isso pode considerar-se que a emigração cabo-verdiana é uma das mais acabadas formas de expressão cívica e cultural da democracia e da cidadania do povo das ilhas, cientes de que o processo migratório cabo-verdiano é semelhante a todos os outros que se conhece a nível mundial.

Na verdade, a diáspora cabo-verdiana assume uma posição de destaque a nível mundial, na medida em que provocou nos Cabo-verdianos mobilidade de diferentes tipos, quais sejam nos aspectos económicos, sociais e culturais, podendo dizer-se que o processo migratório cabo-verdiano exportou e captou novos valores e que como tal ajudou a Nação cabo-verdiana a moldar a sua consciência nacional, contribuindo, objectivamente, para alargar as perspectivas culturais e históricas que se verificaram a nível de formação da consciência e personalidade de cada Cabo-verdiano, independentemente do espaço geográfico onde se insere. Muitas agências internacionais consideram que a emigração é um «fenómeno global» porque comporta formas variadas de refúgio. Por causa disso têm vindo a surgir teses a propor que os emigrantes podem ser considerados, em certa medida, refugiados económicos, ambientais, culturais e sociais e a sua compreensão versus regulação deve dar-se num quadro bilateral (relação entre países emissores e receptores) e num quadro multilateral (a nível das organização internacionais, inclusivamente através das diferentes agencias das Nações Unidas e outras), recomendado que os países emissores dos emigrantes devem organizar-se criando instituições que, nos seus objectivos, alinham com os diferentes países na gestão das dinâmicas migratórias, criando instituições cujas missões assumam características globais.

A ciência económica tem procurado interpretar o fenómeno migratório: estuda os seus vários aspectos através das suas várias disciplinas e analisa as suas causas e as suas consequências no emprego e no desenvolvimento económico e social, tanto no país de origem como no país de acolhimento. Numa primeira instância, analisa o rendimento e o contributo que resultam da transferência de trabalhadores de uma área para outra; Numa segunda instância, analisa a transferência de trabalhadores do sector atrasado (agricultura), caracterizada pela fraca produtividade e salário de subsistência, para o sector capitalista (industrial) e num terceiro aspecto olha para o fenómeno a partir de teses que definem e enquadrem o fenómeno migratório tanto na sociedade de informação, como na sociedade de conhecimento e conclui:«Um determinado individuo decide emigrar se o valor presente do fluxo salarial que obtiver no país de acolhimento, for maior que o valor presente do fluxo salarial que obtiver na ocupação no país de origem», sendo também maior que os dos custos directos de transferência, concluindo que por detrás da emigração está uma decisão económica racionalmente fundamentada por parte do indivíduo, construída racionalmente por aquele que decide emigrar. O Instituto de Direito Internacional considera o emigrante como sendo “aquele que se expatria com a intenção de fixar a sua residência noutra parte do Mundo, sem mudar de nacionalidade”, por razões de natureza económica e cultural, reservando a sua condição de estrangeiro, disponível para regressar ao seu país de origem, assim que as suas condições de vida se melhorarem.

No inicio, os Cabo-verdianos emigraram por causa da pesca da baleia para os Estados Unidos da América e Canada, para o Senegal, em regime de contratados para as Roças de São Tome e Príncipe, para Angola e Moçambique, para Portugal, Espanha, França, Holanda, Itália, Luxemburgo, Suíça, Inglaterra, Brasil e Argentina de entre os demais países. E é com esta consciência que a emigração cabo-verdiana confirmando que o Estado Cabo-verdiano «é ulterior à Nação» e que como tal deve organizar-se tendo por base a realidade intangível desta, que a nossa diáspora nos interpela, designadamente questionando o modelo mais adequado que o Estado de Cabo Verde, na sua estrutura, deve adoptar para responder as demandas e exigência da nossa diáspora e permitir sua efectiva integração, tanto nos seus vários processos de legitimação, como no processo de desenvolvimento nacional, em prol da felicidade geral da Nação.

Foi com um amplo sentido de interesse nacional e preocupação de fortalecer a relação do país com a sua diáspora que a Constituição de 1992 aumentou para seis, o número de deputados eleitos nos círculos eleitorais na emigração, tendo, também, permitido que os emigrantes votassem nas eleições presidenciais e servido como elemento aglutinador que deu forma ao estabelecimento de relações diplomáticas de Cabo Verde com quase a maioria dos países do mundo, onde Cabo Verde possui representação diplomática. Foi, ainda, para reforçar o aprofundamento dessa relação, a unidade e coesão nacionais, que a revisão constitucional de 1999 criou o Conselho das Comunidades (reivindicações feitas pela diáspora), integrado no Conselho Económico e Social, quais foram as preocupações de integração da diáspora cabo-verdiana no processo de desenvolvimento do país. Foi, ainda, com o sentido e consciência da evolução da história que a revisão de 2010 optou pela autonomia constitucional do Conselho das Comunidades.

Por conseguinte, a revisão constitucional de 2010 separou o Conselho das Comunidades, do Conselho Económico e Social. Tal alteração da Lei fundamental permite avançar de forma autónoma para a regulamentação e funcionamento do respectivo Conselho, de modo a que o país possa dispor desse instrumento, a todos os títulos, fundamental para o fortalecimento das relações do país com a sua diáspora, por um lado, para o fomento da participação dos emigrantes, reforçando os mecanismos de integração politica, quais sejam a auscultação e participação democráticas dos cidadãos que residem na diáspora, por outro lado, dando início ao processo de construção de um circuito de influências que se pretende seja integrador e global, formado, por um quadro de valores de referência próprios de uma República moderna, através das suas diferentes instituições, regulando a fruição de relações que se pretende seja positivas entre a diáspora e o país.

Ademais, cumprindo um dos objectivos de legislatura, pretende-se com a presente iniciativa Legislativa, que o Conselho das Comunidades seja uma estrutura que integra as organizações da sociedade civil cabo-verdiana da diáspora e as que desempenhem actividades no país, e as tornem capazes de influenciar políticas públicas em Cabo Verde, sobretudo as que dizem respeito directamente à sua condição de diáspora, sendo de consulta e audição obrigatórias por parte do governo e para as diferentes estruturas do Estado, quais sejam o Parlamento, através das suas diferentes Comissões especializadas, o Governo e as autarquias locais.

Defendendo a constituição de um Conselho das Comunidades que funcione ao nível de cada país de acolhimento dos nossos emigrantes, junto de cada missão diplomática, Embaixadas e Consulados, presididas pelo Chefe da Missão. Um Conselho das Comunidades que funcione em Cabo Verde, que se reúne de dois em dois anos, e que resulta dos Conselhos Consultivos das comunidades de cada país de acolhimento, constituído por representantes de cada país de acolhimento dos nossos emigrantes e demais representantes da sociedade civil organizada, em reuniões em Cabo Verde, presidida pelo Governo em parceria com o Alto-comissário para as Comunidades Emigradas e Diásporas Cabo-verdianas. Assim, ao abrigo do nº 1 do artigo 140º do Regimento, os Deputados apresentam à Assembleia Nacional o presente Projecto de Lei.:

Miguel Cruz Sousa, Deputado da Nação/Circulo Eleitoral da Europa e Resto do Mundo

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