terça-feira, 26 de maio de 2009

Interpelação sobre comunidades emigradas, diasporas cabo-verdianas e política externa

O Grupo Parlamentar do Movimento para a Democracia requereu o agendamento da presente interpelação ao governo, sobre as “comunidades emigradas, diásporas cabo-verdianas e política externa” na convicção de que ela é oportuna e necessária. Deve, ao menos, permitir-nos voltar a colocar na agenda política actual do país e deste parlamento as questões relativas às comunidades caboverdianas emigradas, confrontar o governo com as principais medidas de políticas em curso dirigidas para este sector da governação e fazer um balanço neste momento, pois este ano de 2009 é um ano charneira para as nossas comunidades da diáspora; é o ano de revisão constitucional; é o ano de revisão do código eleitoral na parte sobre a emigração, facto que partindo de entendimentos entre os diferentes sujeitos parlamentares, exige um redobrado esforço e atenção de todos.

Esta interpelação pretende, ainda, saber o que é que o governo fez desde 2001 a favor desse processo de integração das comunidades emigradas, pretendendo o Grupo Parlamentar do MpD que se tornem públicas, no pais e na diáspora, as politicas que, este governo, diz estar a desenvolver a montante e a jusante, quer em Cabo Verde, quer directamente nos países de acolhimento a favor da nossa emigração.


Importa, pois, que os Cabo-verdianos na diáspora saibam se as suas reclamações, as suas legítimas reivindicações em relação à descriminação negativa de que ainda são vítimas, tanto no pais de acolhimento e de residência mormente em Cabo Verde, estão sendo levadas em consideração pelo governo; se as promessas politicas feitas em campanhas eleitorais estão sendo respeitadas, cumpridas e objecto de respostas políticas adequadas, na justa preocupação de responder ao que hoje, se convencionou designar por desafios de dupla integração das comunidades nacionais, no pais de acolhimento quando são emigrantes, e na economia nacional do país de origem quando são cidadãos eleitores, em pleno gozo dos seus direitos e deveres constitucionais.


Do ponto de vista de políticas públicas de governação queremos saber, com a presente interpelação, em que medida esse ingente desafio de integração da diáspora no circuito económico do país, designadamente as suas poupanças que entram no país em forma de remessas, o seu saber, as suas iniciativas, as suas capacidades empreendedoras estão sendo adequadamente traduzidos e reflectidos em acções concretas que contribuam para o desenvolvimento social e económico do país.

Trata-se de uma interpelação que se impõe fazer no actual contexto do desenvolvimento de Cabo Verde, no sentido de se definir e obter um amplo consenso quanto ao papel e o tipo engajamento que o pais pretende dos emigrantes no processo de desenvolvimento nacional, numa estratégia de construção de novos paradigmas, traduzidos em visões e modelos para que o Estado e o Governo de Cabo Verde possam cumprir as responsabilidades politicas e constitucionais, que nesta matéria lhes são cometidas.

Deve servir esta interpelação, ainda, para o governo ser confrontado com a necessidade de analisarmos a natureza dos resultados - se são resultados produzidas por medidas e políticas estruturantes ou se correspondem apenas a iniciativas pontualizadas de parcos efeitos, de curto prazo e sem sentido sistémico em matéria da integração dessa parte da nação, no todo nacional e questionar até que ponto tais resultados, por serem consequências de iniciativas pontuais satisfazem as demandas dos diferentes segmentos das nossas comunidades no exterior, de entre os quais se destacam os seguintes:

– Segmentos que tiveram e têm sucessos nos países de acolhimento e que exigem um coerente e especifico programa de integração em Cabo Verde, enquanto investidor, académicos, empresários, homens de cultura e de negócio que tanto podem dar ao país;
– Segmentos que estando integrados no pais de acolhimento, representam, em certa medida, a consciência crítica, moral e politica da diáspora e constituem a imagem do pais nessa complexa teia dessa globalização desigual e que exige do Estado de Cabo Verde e do seu Governo uma nova atitude e um novo paradigma.

– Segmentos que exigem uma outra dinâmica na governação do pais, por terem sido num passado não muito longínquo excluídos ao serem descriminadas nos aeroportos do país, nas Embaixadas e nos Consulados, pelos serviços da TACV, pelas alfândegas, pelas câmaras municipais, até no cumprimento de um normativo legal quanto ao regresso definitivo, aos emigrantes são atribuídos matriculas de viaturas com chapa verde diferentes dos cidadãos residentes.

Cabo Verde foi graduado país de rendimento medio, entrou na OMC e tem um canal de dialogo que resulta da parceria especial com União Europeia, mas em todos esses protocolos não conhece uma única estratégia, mas infelizmente tais situações de descriminação continuam a alimentar a narrativa de uma certa exclusão por parte do Estado, assente no que se considera ser a negação do espaço público de integração das comunidades nacionais, no contexto do seu pais. Negação essa que pode afecta a prazo a unidade e coesão nacionais, ferindo a necessária coerência dos diferentes serviços públicos em termos de novas respostas e novas atitudes, designadamente em relação ao atendimento público dessa categoria de cidadãos, fomentando uma relação de desconfiança e um ambiente de conflito permanente dos emigrantes com a administração pública.

– Segmentos que precisam do estabelecimento de uma relação de cordialidade, de confiança, de solidariedade, de complementaridade entre a parte da nação que reside no território nacional e a outra parte da nação que reside na diáspora, mediada por um Estado e governo hodiernos, competentes e capazes de interpretarem e traduzirem em acções de governação as suas legitimas aspirações que resultam de fenómenos qualitativamente variados que grassam no exterior em torno das nossas comunidades e que possam contribuir para a felicidade geral do povo cabo-verdiano.

Esses fenómenos variados que caracterizam este ultimo grupo de cabo-verdianos que infelizmente não viram realizados os seus sonhos e objectivos nos países de acolhimento, sendo também vítimas da pobreza, da marginalidade, da exclusão social, da miséria, do insucesso escolar, do desemprego, da exploração enquanto mão-de-obra imigrante nos países de acolhimento. Este segmento que, negando, ainda assim, a ideia preconcebida de pertencer a uma comunidade de risco, porque muitas vezes reside na parte crítica da malha urbana das grandes cidades dos países da Africa, Europa e da América, reclama maior atenção da parte do Estado e governo cabo-verdianos, designadamente nos domínios políticos, diplomáticos, protecção jurídica e consulares.

Particularmente as nossas comunidades residentes em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, que, em parte, ainda, representam o resquício do fenómeno da emigração forçada, ou que simplesmente simbolizam os esquecidos do império colonial ou resquícios de um tempo não muito distante, em que o Cabo-verdiano era, por razões diversas, forçado a emigrar. Ora enquanto servidor da administração colonial, ora para trabalho forçado, em condições sub humanas nas roças e matas de São Tomé e Príncipe: essas comunidades exigem protecção dos seus direitos, pelo que o Governo deve dar cada vez maior atenção quando desenvolve a politica externa, com particular incidência para a diplomacia no espaço lusófono e no espaço da CPLP.

No essencial o que pretendemos com esta interpelação é saber tão simplesmente se o governo de Cabo Verde está disponível e disposto para assumir as suas responsabilidades de proporcionar respostas ás as reivindicações das nossas comunidades emigradas, aceitando construir entendimentos com a oposição, que permitam inaugurar um novo tempo, onde as questões das nossas diásporas são consideradas questões de regime e assunto de Estado, monitorizadas ao mais alto nível pelas instituições da República.

Por isso, não podemos deixar de olhar para as reformas que se impõem, necessárias e inadiáveis, em sede tanto da revisão constitucional como da revisão do código eleitoral na parte que diz respeito à emigração.

Esta nação de emigrantes e também designada de nação diasporizada, aguarda dos seus governantes e dos dirigentes políticos uma nova atitude perante as nossas comunidades no exterior e este governo não pode subvalorizar às exigências que delas decorrem, sob pena de permitir falhanço, designadamente no que tange a obrigação do cumprimento das promessas feitas em campanhas eleitorais.

Por isso, não podemos ter dúvidas sobre o caminho a percorrer; não podemos ter dúvidas sobre que modelo seguir e portando não podemos deixar de encarar de frente essa realidade e adoptar as medidas que forem necessárias para o bem-estar dos Cabo-verdianos quer residam no país quer residam na emigração. Quem tem responsabilidades de governar deve pugnar pelo cumprimento das promessas eleitorais, ter sentido de responsabilidade e de bom senso e colocar limites às promessas políticas feitas aos emigrantes sempre que subsistirem em relação a essas mesmas promessas a mais pálida dúvida, quanto a possibilidades de sua execução.

A não realização de promessas eleitorais pode pôr em perigo a relação de confiança entre os eleitores da diáspora nos seus governantes e dirigentes políticos e coloca em perigo os interesses que deveriam convergir e aproximar as comunidades emigradas do país. Não se pode permitir o agravamento ostensivo da situação de dúvida que possa contribuir para a quebra de vínculo do direito de pertença à comunidade nacional, mormente por pressões outras, introduzindo dúvidas na lealdade das relações entre o Estado e o cidadão.


Resultados dos estudos efectuados dizem-nos que por cada três cabo-verdianos, dois vivem na diáspora, estimando por isso que o número de Cabo-verdianos a residir na diáspora é superior a população residente no território nacional, constituído por emigrantes de primeira geração, seus descendentes e alimentados continuamente com novos emigrantes, distribuídos por mais de 25 países da África, América e Europa. A contribuição das nossas comunidades, segundo dados da OCDE, situa-se na ordem dos 23% do PIB, fora o impacto social que também atinge de forma indirecta a maioria das famílias cabo-verdianas residentes no país.

As remessas dos emigrantes representam cerca de 38, 2% da massa monetária do país e quase 40% da totalidade dos depósitos a prazo existentes em Cabo Verde e mesmo em situação de crise financeira internacional grave, como em 2008, as remessas dos emigrantes ultrapassaram os dez milhões de contos. Estes números provam-nos que, por um lado, existe uma relação de inequívoca crença confiança das comunidades emigradas no país, que não podendo ser defraudadas, devem ser potencializada. Por outro lado, demonstra que neste domínio o país precisa inovar, para melhorar as condições de atracção dos excedentes económicos gerados pelas famílias cabo-verdianas, que residem na emigração e considerar que tais excedentes, que são poupanças de milhares de famílias cabo-verdianas que trabalham no exterior, deveriam ser vistas dentro de um quadro de financiamento da economia caboverdiana atribuindo-lhes um regime de incentivos especiais, por exemplo, à semelhança do que se fazia na década de 90, com a bonificação das taxas de juro de depósitos de emigrantes.

O impacto das contribuições dos emigrantes através das suas remessas na vida das famílias e a nível da sociedade cabo-verdiana permite-nos dizer que a sua dimensão e potencial de crescimento poderá estar situada bem acima dos valores apresentados pelas estatísticas oficiais e é suficiente para explicar essa mão invisível que apoia as famílias cabo-verdianas, mesmo perante o elevado nível de desemprego e pobreza. Nesse sentido há que dizer as comunidades emigradas não podem ser reduzidas à condição de arma de arremesso político, devendo subir, sim, o nível do seu engajamento, designadamente a nível da orgânica do Estado e do país.

É neste quadro que o governo de Cabo Verde é interpelado e é chamado a esclarecer e a responder perante este Parlamento. Pois é com essa motivação que o Grupo Parlamentar do MpD pretende colocar no centro da agenda politica nacional as questões das nossas comunidades no estrangeiro e ter decidido pela interpelação ao governo, pretendendo obter respostas publicas em relação as seguintes questões:
Que politica tem o Governo desenvolvido a favor da integração das nossas comunidades emigradas nos diferentes países de acolhimento e que medidas estão sendo tomadas a favor da sua integração no circuito económico do pais?

Que medidas têm sido desenvolvidas com vista ao fomento das relações económicas com a diáspora, designadamente valorizando o mercado étnico, enquanto mercado natural de exportação de produtos cabo-verdianos e que medidas têm sido tomadas para incentivar os emigrantes a investirem no pais?

Tendo em conta que uma parte da nossa comunidade emigrada vive numa situação de profunda miséria e abandono, que politicas tem o governo desenvolvido em articulação com os países de acolhimento para reverter a situação?

Como pretende o Governo produzir estatísticas fiáveis sobre as comunidades emigradas, de forma a facilitar o seu engajamento na vida do país, como tem vindo a recomendar os sucessivos encontros de quadros cabo-verdianos na diáspora, designadamente no sentido de que o pais deveria procurar saber onde estão os cabo-verdianos emigradas, como vivem e o que fazem e qual é sua verdadeira capacidade económica, de molde a permitir o seu engajamento planeado e estruturado na vida do pais?

Que politicas tem o Governo desenvolvido com os países africanos amigos, designadamente Guiné-Bissau, Senegal, Angola, Moçambique em termos de protecção consular das nossas comunidades nesses países?

Que diplomacia tem vindo o Governo a desenvolver com os governos de São Tomé e Príncipe e Portugal, no sentido de se repor os direitos históricos a favor dos cabo-verdianos que no século passado foram transferidos de forma forçada para São Tome e Príncipe?

Que acordos multilaterais e bilaterais desenvolveu o governo a favor das reivindicações de Cabo-verdianos nos seguintes países:
- Nos Estados Unidos de América: a questão dos deportados;
- Em Portugal: a questão da Educação, formação dos jovens descendentes de Cabo-verdianos, integração social, apoio aos doentes evacuados, protecção judiciária, tendo em vista a população prisional cabo-verdiana a cumprir pena de prisão nesse pais?
- Na União Europeia: Para salvaguardar a questão da mobilidade dos cabo-verdianos na Europa?
- Em França: Para a regularização dos Cabo-verdianos indocumentados nesse país?
- Itália: Para garantir a assistência médica e medicamentosa das pensionistas cabo-verdianas quando regressados em definitivo a Cabo Verde.
No Luxemburgo: Para travar a exclusão escolar e processo da crescente e preocupante marginalização dos nossos jovens nesse país amigo da União europeia;

De entre outras, são estas as principais questões que pretende o Movimento para a Democracia colocar nesta interpelação sobre as “comunidades emigradas, diásporas cabo-verdianas e política externa” na convicção de que ela é oportuna e necessária, como dissemos no início e um acto de justiça para com os nossos conteraneos que vivem na diáspora.

Muito obrigado
Miguel Cruz Sousa – Deputado do MpD pela Europa

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