terça-feira, 12 de maio de 2009

Debate Parlamentar: texto introdutório

O Ano de 2009 vai ser ano das comunidades emigradas, sobretudo as que se encontram enquadradas nos três círculos eleitorais na emigração (África, América e Europa e resto do Mundo), pois espera-se que seja realizado com sucesso merecido o recenseamento eleitoral nesses círculos eleitorais e que, desta forma, a participação política dos Cabo-verdianos da diáspora seja qualitativamente assegurada, eliminando todo e quaisquer espécies de suspeições que recaíram sobre a participação política dos emigrantes em eleições passadas.Nessa perspectiva e do ponto de vista histórico convem sempre recordar que Cabo Verde ascendeu à independência a 5 de Julho de 1975. Nessa data erigia-se, pela primeira vez na história, o Estado de Cabo Verde. Estado unitário e, politicamente, independente, gozando da plena soberania jurídica e politica sobre o seu território, em representação do seu povo, reconhecido pela comunidade internacional e pelo concerto das nações.

Herdamos, assim, do poder colonial um país e uma nação de emigrantes e diásporas (…) pelo que, desde logo, as novas autoridades procuraram estabelecer relações diplomáticas cordiais com quase-todos países do mundo e também com países que tradicionalmente acolhiam emigrantes cabo-verdianos na Europa, em África e na América, para justamento cumprir um dos desígnios fundamentais: a fundação do Estado e bersificação da nacionalidade à partir do território nacional. Essa experiência é, por isso, reflectida e traduzida na Constituição de 1992, que no seu artº 11, nº 6 diz que “O Estado de Cabo Verde mantém laços especiais de amizade e de cooperação com os países (…) de acolhimento de emigrantes cabo-verdianos”, atribuindo responsabilidades ao Estado, no que toca a necessidade de desenvolver acções diplomáticas com Estados amigos, com vista a promover e proteger às comunidades cabo-verdianas que residem nesse(s) paíse(s), o que significa que o Estado, através do Governo, furta-se as suas responsabilidades politicas e constitucionais, sempre que denega ou simplesmente não desenvolve medidas de políticas públicas no duplo sentido da integração, direccionadas, tanto para a integração dessas comunidades nos respectivos países de acolhimento, como na sua integração no circuito económico, político e cultural de Cabo Verde, enquanto parte inalienável da Nação.

Como tarefa fundamentai, a Constituição da República estabelece no seu artigo 7º. Alínea g) a obrigação do Estado em “apoiar a comunidade cabo-verdiana espalhada pelo mundo e promover no seu seio a preservação e o desenvolvimento da cultura cabo-verdiana”. Essa orientação constitucional, tendo sido assumida pelas comunidades de diaspora é, timidamente, apoiada do ponto de vista infraestrutural pelo Estado, sendo demonstrativo como actuam as Embaixadas e Consulados de Cabo Verde nos diferentes pontos do globo, onde residem cabo-verdianos. Com efeito, com a independência nacional fez-se a síntese de um percurso histórico da nação: uma nação de emigrantes e de diásporas, que existira antes do surgimento do Estado e que soube afirmar-se e transformar o seu traço emancipatorio em vantagens no seu relacionamento com outros povos e nações do mundo, exaltado, em textos poéticos dos “pré-claridosos”, dos “claridosos” e por muitos homens e mulheres de cultura que fizeram desses momentos marcantes da nossa história uma “certeza” cultural do povo e da nação que se erigiram destas ilhas. E portanto, não pode existir melhor conceito sobre os Cabo-verdianos emigrados do que aquele que os define, como não sendo nem de primeira, e nem de segunda, sendo, sim, cidadãos nacionais, livres, de bons costumes, humildes e em pleno gozo dos seus direitos constitucionais, em paridade com os Cabo-verdianos residentes, apesar de não residirem de forma continuada no pais, embora tendo grande parte deles desenvolvido no território nacional o seu segundo centro de interesse económico, manifestando também interesse na participação política.

Pode-se admitir que antes da independência nacional os Cabo-verdianos emigravam por causa da necessidade de sobrevivência, da estiagem, da seca, da fome e por força do colonialismo, ou buscando a liberdade; depois da independência pode-se acrescentar o risco, a ousadia e a aventura. Com a liberdade e democracia adicionaram-se as opções de escolhas para novos destinos, que passaram a ser considerados elemento nuclear do processo migratório cabo-verdiano, glissado pela função “rendimento”: ou seja os Cabo-verdianos continuavam a continuam a emigrar porque presumiam e presumem que o rendimento que podem gerar em países como Estados Unidos, Portugal, França, Holanda, Itália etc. é superior ao rendimento que obtiam no país no momento da decisão de emigrar”.

A independência nacional projectou o legado da libertação dos termos da escravatura e da opressão colonial e veio dizer-nos que, inevitavelmente, haveria que se romper com o passado do Estado colonial, com o Estado de opressão, com o estado de escravatura e de emigração forçada para S. Tomé e Príncipe, a favor de uma emigração que deveria ser voluntária, opcional e orientada em funação das necessidades, engenhos e necessidades de Cabo Verde e para países da Europa ocidental e para os Estados Unidos. Herdando um país de emigrantes e de diásporas, lembramos todos que o Estado de Cabo Verde logo, após a independência, institui o controlo administrativo das saídas de pessoas, mediante prévia autorização de saídas e vistos de entrada: ninguém saía de Cabo Verde, sem o prévio consentimento do Estado e devida autorização de saída e nenhum Cabo-verdiano entrava no país sem que lhe tivesse sido concedido o visto de entrada, que, entretanto, teria de requerer junto das chancelarias e Embaixadas de Cabo Verde no exterior: assim, os Cabo-verdianos que de forma opcional decidiram emigraram ou que à data da independência estavam emigrados, foram por imperativo legal, tornados estranhos ao seu território e estrangeiros do seu próprio país. Desta forma muitos Cabo-verdianos se perderam. Recursos humanos importantissimos do pais foram desmobilizadas e a nação enfraquecida.

Dessa forma, actuaram os poderes públicos cabo-verdianos nos primeiros quinze anos, após a independência nacional. Objectivamente quiseram impedir a emigração não por via da restauração da confiança dos Cabo-verdianos no seu país, mas sim de forma administrativa, esquecendo-se dos que já se encontravam emigrados. Embora exista solidariedade da diáspora para com o país, ainda subsistem confianças entre essas duas realidades: no fundo um desentendimento, uma incompreensão falta de canais de dialogo, ou simplesmente a recorrente tentativa do exercício de um direito legítimo que tarda, por um lado, em ser reconhecido em toda sua plenitude pelo Estado de Cabo Verde e/ou por outro lado direito de difícil exercício por parte das nossas comunidades emigradas: a título exemplificativo pode-se considerar os Cabo-verdianos colocados administrativamente pelo sistema colonial português nas roças de S. Tomé e Príncipe, de forma forçada e em quase-regime de escravatura, muitos anos após a abolição formal da escravatura, acabando abandonados pelo regime colonial e odiados pelos nativos que viam nesses nossos conterrâneos, resíduos do colonialismo, sendo muitas vezes humilhados na sua condição humana e descriminados na sua condição de cidadãos e esquecidos por um Cabo Verde independente, sendo também impotentes para exercerem um direito que historicamente existe e que é reconhecido como legitimo.

O Estado de Cabo Verde que durante os longos primeiros 15 anos de independência estava talhado pela indiferença politica em relação às comunidades emigradas, não baseando a sua missão na promoção e defesa intransigente dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos seus cidadãos, dificilmente poderia, no plano externo, defender um único cabo-verdiano, exigindo a salvaguarda dos direitos fundamentais a outros Estados, porque, na perspectiva do Partido único esses Cabo-verdianos eram estrangeirados, por terem recusado o sacrifício em nome de uma ideia de Cabo Verde que descriminava e excluía os seus próprios cidadãos, tendo optado por emigrar, por isso, em consequência dessa opção, seria, em certa medida, legitimo que o Estado os esquecesse já que, na ideia dos revolucionários da época, não se encontravam a mão da República.

Como tal, à emigração residente em alguns países, como seja Portugal, Holanda e alguns outros países da Europa ocidental e Estado Unidos, o regime catalogava-os de “contra-nação” de entre outros adjectivos, ou coisa semelhante. Isso contribuiu para que as desconfianças entre o país e a sua diáspora, especialmente entre as suas elites, se agravassem nos primeiros quinze anos de independência, recuperadas, em certa medida, com o pluripartidarismo a partir da década de 90: durante um certo período da história do país, os emigrantes passavam tímidos nos aeroportos do país, quase-sempre de forma discreta e vezes sem conta perseguidos pela polícia política do regime.

Acha-se um segundo exemplo: os Cabo-verdianos emigrados para Portugal, antes da independência, com o objectivo de compensar a mão-de-obra em Portugal, em consequência da deslocação da mão-de-obra portuguesa para a Europa, após segunda guerra mundial: esses primeiros cabo-verdianos trabalhavam em condições precárias e desumanas em empresas como a CUF, Lisnave e JPimenta, como muito bem compôs e cantou, em mornas, o então estudante de direito na faculdade classe de direito Lisboa, o saudoso Renato Cardoso. Esses concidadãos cabo-verdianos vivem os seus últimos dias em Portugal, em Cabo Verde ou em países diversos na Europa e nos Estados Unidos, sem que pudessem beneficiar de uma pensão de reforma digno de quem terá andado a vida inteira a trabalhar. Por isso, hoje, é comum afirmar-se, ainda que de forma peremptória, que por cada três cabo-verdianos residentes no país, dois vivem fora de Cabo Verde. Assim, se considera, por estimativas, que o número de Cabo-verdianos a residir na diáspora totaliza os dois terços da população total cabo-verdiana residentes nas ilhas e na diáspora, atingindo a cifra de aproximadamente um milhão de pessoas, entre emigrantes de primeira geração, seus descendentes e novos emigrantes, distribuídos por mais de 25 países, em África, América e Europa, facto que coloca um desafio estratégico de fundo ao país, designadamente a necessidade de se ordenar no futuro o recenseamento geral desses nossos concidadãos, para que, exactamente, se saiba quantos são, onde estão, como estão e o que têm esses Cabo-verdianos que se fixam no estrangeiros dispersos pelo mundo.

Considerando o lado dos custos e benefícios para o pais, tanto do ponto de vista do custo social e demográfico, como no plano da integração no circuito económico nacional, há que dizer que a emigração reflecte de forma negativa no saldo demográfico do pais, embora a contribuição que os emigrantes dão para a economia nacional parece situar em torno dos 23% do PIB (dados da OCDE). Segundo BCV, as contribuições dos emigrantes expressas em remessas representam cerca de 38, 2% da massa monetária do país, sendo 40% da totalidade dos depósitos a prazo distribuídos nos diferentes bancos em Cabo Verde, não são contabilizando nem o seu impacto indirecto na economia real, nem a parte de remessas em espécies que entram, em grande medida por canais informais e os já celebres “bidões”. Em termos gerais, pode dizer-se que os recursos dos emigrantes (economias dos emigrantes) têm sido ao longo dos tempos e continuam a desempenhar, seguramente, um papel extraordinariamente importante para a política económica e monetária de Cabo Verde, sendo activos líquidos disponíveis na economia e tendo uma dimensão multipolar para a sociedade cabo-verdiana, pois: tais recursos:

a)- entram para a economia em forma de remessas líquidas em divisas e em espécies e são poupanças geradas a partir do exterior pelos Cabo-verdianos; b)- quando aplicados na economia podem facilitar o crédito aos agentes económicos, desempenhando um papel importante na economia familiar, incrementando as disponibilidades das famílias, contribuindo para a redução da pobreza absoluta e relativa, para o fomento da economia informal, para a criação de empregos, no fomento do empreendendorismo nacional e na redução das desigualdades sociais; c)- apoiam a balança de pagamentos, equilibrando as contas nacionais, dando suporte e sustentabilidade à programação monetária do país, aumentando a sua disponibilidade em divisas; d) tem uma dimensão estratégica e multipolar vital para a economia e para a sociedade cabo-verdiana;

É neste quadro que importa debater no Parlamento as diferentes visões sobre que politicas públicas desenvolvidas ou que deveriam ser desenvolvidas a favor das nossas comunidades emigradas, respondendo o desafio de integração no duplo sentido: no país de acolhimento e no circuito económico, social, política e cultural do país - é neste contexto que o Estado de Cabo Verde, através do Governo da República, é chamado a intervir e é com essa motivação política que o Grupo Parlamentar do MpD requer e propõe esse debate para que se conheçam:

i) Que politica tem o Governo desenvolvido a favor das nossas comunidades emigradas e qual é o caminho para se promover a sua integração no país de acolhimento e no circuito económico em Cabo Verde? Ao Governo é conferido poderes e meios para desenvolver políticas que vão de encontro as exigências dos nossos emigrantes. Por isso, pergunta-se: sabe o Governo quantos são? Onde estão? Como estão? O que é que têm os nossos emigrantes nesses 25 de países de acolhimento, distribuídos nos quatro continentes?

ii) Admite o Governo que durante o período colonial, muitos anos após abolição da escravatura, os Cabo-verdianos foram expatriados para S. Tomé e Príncipe, para irem trabalhar como escravos nas roças e matas e que ainda hoje subsistem marcas profundas dessa humilhação humana nas nossas comunidades residentes em S. Tome e Príncipe, fazendo com que os nossos conterrâneos vivessem na mais profunda miséria e abandono. Que politicas tem o Governo desenvolvido, tanto com a República Democrática de S. Tomé e Príncipe, como com Portugal, no sentido da consequente responsabilização histórica desses dois países em relação á emigração forçada e escravocratica que envolve os Cabo-verdianos, visando devolver dignidade a esses nossos concidadãos, permitindo, ao menos, que quem fizesse descontos no período colonial pudesse auferir de uma pensão de reforma e aqueles que quisessem regressar a Cabo verde pudessem faze-lo, exercendo, assim, um direito natural de regressar e de viver no seu país?

iii) Admite o Governo que a participação política dos emigrantes é um dado adquirido e é irreversível. A Constituição de 1992 aumentou o número de deputados de 3 para 6 e permitiu que os emigrantes votassem nas eleições presidências. Tanto as eleições legislativas, como as presidências têm sido motivo de polémica, potencialmente propiciadora de conflitos entre as expressões eleitorais no pais e na diáspora, colocando em risco a própria democracia e a credibilidade do processo eleitoral cabo-verdiano. Fez-se a revisão do código eleitoral; fez-se um novo processo de recenseamento eleitoral no país; fica por fazer tanto a segunda parte da revisão do código eleitoral, relativa à emigração, como o recenseamento eleitoral nos círculos eleitorais na emigração. Foi dado ao Governo, por este Parlamento, o prazo adicional de mais um ano para organizar todo o processo e assim iniciar o processo de recenseamento eleitoral a 1 do Junho do corrente ano. O que é que pretende o Governo fazer? Não iniciar o processo de recenseamento a 1 de Junho próximo? Complicar ou impedir que os Cabo-verdianos residentes nos círculos eleitorais na emigração participem de forma segura no processo eleitoral que se avizinha? Qual deve ser o papel das nossas Embaixadas e Consulados no processo eleitoral?

iv) Mesmo em período de crise financeira internacional as remessas dos emigrantes conhecem um significativo aumento e parecem estabilizar-se: que politicas está desenvolver o Governo com vista a integração dessas poupanças no circuito económico cabo-verdiano e quais são as medidas que o Governo pretende levar a cabo, com vista ao fomento das relações económicos do país com a sua diáspora e da liberalização das transacções económica entre os Cabo-verdianos que residem no exterior e o pais?

v) Nos últimos anos o Governo tem celebrado vários acordos internacionais, tanto bilaterais como multilaterais, designadamente com organizações multilaterais e com países de acolhimento dos nossos concidadãos. O MpD defende que o Governo deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para assinar acordos de incidência bilateral com países que acolhem os nossos emigrantes, com vista a fomentar a sua integração social nesses países, garantir a mobilidade laboral e integrar as novas gerações, filhos e descendentes dos emigrantes cabo-verdianos. Quais têm sido os acordos bilaterais e multilaterais que permitam a integração dos nossos emigrantes nos países de acolhimento?

Estas e outras questões, estão na base das preocupações do Grupo Parlamentar do MpD, que para os devidos efeitos requer e solicita o agendamento, para a sessão de Maio, do presente debate

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