quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Governo e a Moção de Confiança

A presente legislatura ficou marcada pela denúncia de fraude eleitoral em 2006. Como tal a principal fonte de legitimação política esteve, está e estará em crise ao logno da legislatura e com ela o risco de instabilidade política, que irá acompanhar e contagiar toda legislatura até 2011, apesar de, pelo meio, ter havido revisão do código eleitoral e realizado eleições autárquicas. O risco de instabilidade politica existe e é real, sendo que a moção de confiança apresentado pelo Chefe do Governo configura e confirma a ideia subjectiva de instabilidade, colocando em crise a liderança do governo.

Esse risco estava presente desde início de legislatura e é agravado, hoje, pelo facto do governo, ter agido, conscientemente, reconhecendo que o país está perante crise ao nível de liderança de governo, com o agravante dessa crise se relacionar com a crise de objectivos e de resultados que parecem perpassar, mesmo num quadro de propaganda, a governação do país. O argumentario politico que está na base da moção de confiança prova demais, em face das questões politicas colocadas em cima da mesa. E não é isso que se exige.

O pais tem um governo e uma oposição legítima, que na sua interdependência podem ser vigorosos. Reconhecendo a força da liderança e a contundência da crítica politica do MpD, em face da enorme fragilidade e ausência de argumento por parte da liderança do Governo, este decide assumir a crise, por iniciativa própria, revelar-se, ou simplesmente fingir-se propenso a instabilidade, apresentando uma moção de confiança.

Deve dizer-se, em consciência, que na origem estará o deficit que resulta da não conjugação dos elementos básicos que enformam o equilíbrio político mínimo em democracia, em resultado da boa expressão da vontade geral que coloca o governo sob permanente escrutínio e em confronto com a verdade democrática e a própria moral no exercício da sua autoridade, essencial para o exercício do poder e da governação, reduzindo a motivação geral de quem tem a responsabilidade de governar. São essas questões de fundo, que levem o Governo a entrar em crise e a apresentar a moção de confiança e não um simples discurso, em sede do orçamento, produzido pelo líder do maior partido de oposição.

Se o governo se desconfia de si próprio não pode em teoria governar, pois em democracia, a vontade das minorias que se formam, em cada momento, determina o comportamento da maioria e quando a posição maioritária não cumpre e permite inversão, a percepção maioritária passa, inevitavelmente, para o lado da oposição. Alias, se a moral e a motivação politicas do Governo estão em crise, a moção cumprirá o seu papel, especialmente se fizer reflectir essa consciência de que o Governo e o partido que o sustenta estarão em posição minoritária na sociedade cabo-verdiana, propondo que o poder seja devolvido a população, e logo propondo eleições antecipadas.

É fácil de se confirmar que o PAICV está em posição minoritária e deixou de ser maioria, embora detenha, ainda, uma posição maioritária no Parlamento. Podemos ter inclusivamente um cenário do dr. Jose Maria Neves se demitir do Governo e o Presidente da Republica voltar a chama-lo de novo, ele e PAICV para formarem governo ou convocar eleições antecipadas. O mais certo é que pode nem uma coisa nem outra acontecer. Por isso, pode concluir-se apenas e tão-somente que estamos em presença de condições objectivas que afirmam um cenário de eleições antecipadas, devendo ser avaliado, incluindo a ostensiva tentativa dr. Jose Maria Neves de manipular a situação politica nacional, tentando envolver o Sr. Presidente da República, no rescaldo de um mero debate parlamentar.

Na medida em que, quando a moral da autoridade democrática de um determinado governo estiver em crise e a sua aceitação pelos sistemas de ordenamento politico estarem diminuídos, deve ser chamado o povo a pronunciar-se, pois, importa, a todo tempo, estabelecer e demonstrar que é possível restaurar a confiança centrípeta das forças em presença e da sua posição relativa em relação a vontade geral originaria, minoritária e maioritária, que em cada momento se formam, se exprimem e se expressam: e um governo em crise não pode nem deve governar.

O argumento de eleições antecipadas conforma nos seus fundamentos com a crise de liderança do Governo e do PAICV, pois adentro dos limites políticos que resultam da disputa politica saudável e normal entre partidos, guisa a essência da moralidade, que traça, por baixo a confiança, por um lado, e a motivação para governar, por outro lado, perante a propensão de derrotas e vitorias que inevitavelmente afectam o exercício da actividade partidária e do governo. As motivações para se governar devem permanecer coerentes com a legitimidade de acesso e do exercício do poder político. Admitindo que se pode ir fazendo animação positiva para se ter os dois, ou simplesmente ter apenas um deles, ou aceitar seja natural e razoável que todo o sistema glissa incoerente, transmitindo a imagem de um sistema em crise que, ostensivamente, projecta um governo que governa, sim, mas de costas voltadas para a sua população, permite dizer que a moção cheira e roça a chantagem politica. Nessas condições, deve o povo, em ultima análise, chamado a pronunciar-se.

Portanto, é expectável que quem governa deve ter um tipo de sensibilidade que é intrínseca à actividade de governação, devendo saber, exactamente, quando é que a «praxis governativa» que desenvolve e implementa está em linha com a vontade geral ou quando é que essa praxis governativa está em crise e se isola dessa vontade geral? Desse ponto de vista, qualquer governo em funções pode socorrer-se de instrumentos que lhe permita verificar se estará ou não a governar em linha com a expressão da vontade geral: essa é uma realidade tangível que a moção pode não resolver.

Tendo essa consciência, o Governo prefere afirmar que não está em condições de governar. Não tem motivação e a sua confiança politica esta diminuída e em crise, não por causa e somente apenas por causa do veemente discurso do líder do MpD, mas simplesmente porque o governo está a procurar vias para minimizar os danos provados pela derrota eleitoral de 18 de Maio passado e fixar um novo intervalo para o desenvolvimento da acção política, tentando agarrar os braços da oposição.

Tudo bem. O Governo apresenta uma moção de confiança ao Parlamento. Perfeitamente natural, se a moção de confiança não traduzisse adentro das maiorias uma posição circular de baixo performance, poderia ser mesmo estranho se o governo perdesse a consciência dessa maioria, que o sustentasse politicamente no Parlamento ou não fosse o facto dessa maioria sofrer, também, ao lado de um Governo que sofre de um tipo de contágio de «terceiro tipo» que resulta dessa percepção geral: não se vá pensar que existe crise de confiança de fere tal ordem a moral dessa maioria a ponto dos deputados da maioria fazerem cair o Governo?

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