terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Análise Diferencial: Discuti, em Lisboa, com uma turma de alunos de 10º ano a "emigração cabo-verdiana" nestes termos.

Reafirmei-lhes a minha plena convicção, que, na verdade, o País sai a perder quando um cidadão seu decide emigrar. Isso parece ser verdade em qualquer País. Em Portugal, em Cabo Verde, no Brasil, em Espanha etc.. Disse-lhes que apesar de aparentemente a nossa emigração viver em Portugal nas condições que conhecemos, o contributo global da emigração cabo-verdiana é muito significativo na formação do PIB (Produto Interno Bruto), representando cerca de 23% da totalidade de riqueza produzida e acumulada no Páis, que traduzido em numeros valia sensivelmente 230 milhões de euros.

Desta feita, queria analisar alguns aspectos relacionados com a emigração. E estava a falar-lhes de custos familiares, económicos, culturais e demográficas relevantes para o conjunto das famílias cabo-verdianas, e para o País em particular, que carecem de medição e que reclamam por uma maior responsabilidades do Estado. Acrescentei-lhes, ainda, que o debate sobre a emigração em Cabo Verde e sobre os vários desafios decorrentes desse fenómeno ainda esta por se fazer e que se deveria repousar-se na análise diferencial dos custos económicos dentro das famílias e dos seus efeitos na sociedade em geral– categorizados, alias, como custos de oportunidades económicas e suas consequências no conjunto das famílias cabo-verdianas.

Disse-lhes que a emigração cabo-verdiana se relaciona de forma directa com a pobreza. Ou seja que os membros das famílias, que normalmente procuram emigrar são membros de famílias oriundos de camadas sociais mais vulneráveis, isto é famílias que vivem no meio rural e das periferias urbanas. E que segundo estatísticas, sempre que um membro de uma família decide emigrar, nomeadamente para a Europa ou para Estados Unidos, se for bem sucedido nesses Países, normalmente as disponibilidades financeiras das suas famílias em Cabo Verde tendem a aumentar e desde logo a família fica menos pobre. Ou melhor fica mais rica.

Procurei dar o meu ponto de vista a esses descendentes de Cabo-verdianos em Portugal, e acho que me fiz compreender, dizendo-lhes que:

Na maioria dos casos, quem emigra, de forma voluntária, contrai uma dívida, a montante e a jusante, para adquirir o título de emigrante, incluindo custos directos e indirectos do pedido de vistos e de toda a papelada, sem contar com o processo de acolhimento e de instalação que na maioria dos casos não coincidem com a expectativa inicialmente formulada. As vezes são um familiar que envia dinheiro para aquisição de bilhete de passagem, outras vezes isso é conseguido por via de empréstimos de um vizinho, que, no passado, exigia o pagamento em dobro do valor do empréstimo.

O cidadão que decide emigrar deixa o seu agregado familiar. E se for um chefe de família transfere a educação dos filhos para a mãe (com todos os custos que essa decisão representa), se o não for deixa um vazio junto da sua família em vários aspectos – as vezes é o membro da família mais activo, que detém sobre os seus ombros a responsabilidade de sustentar toda família - aquele que trabalha no emprego “público”, as conhecidas FAIMO, hoje em reconversão, para o sustento da família; as vezes, é aquele que recebeu mais investimentos da família em termos educacionais e alguma formação profissional e logo o mais empreendedor. Portanto, a família perde um dos seus activos, muitas vezes, aquele no qual mais se investiu, mas também perde um dos seus agregados económicos de maior valia e na maioria dos casos não volta a recupera-lo. O somatório de todas as famílias com membros que se emigraram nestas condições totaliza um importante número de famílias cabo-verdianas, que por seu turno acumulam custos socio-económicos e demográficos significativos.

Aquela família directa e o País indirectamente deixam de poder contar durante um certo tempo ou definitivamente com aquele cidadão (existe um período de graça que normalmente se concede ao emigrante, em termos de “pay back” que coincide presumivelmente com o período de instalação no País de acolhimento, até que encontre um trabalho remunerado) e se tudo correr bem, haverá uma correspondência que tenderá na proporção do esforço económico realizado pela família com a sua saída, que nos primeiros tempos é cumprido de forma escrupuloso, mas que com o andar dos tempos e por causa de uma espécie de elasticidade temporal negativa tende a diminuir com o tempo e é muitas vezes ciclico; Dependendo do sucesso e/ou de insucesso desse emigrante esse período é aumentado e nasce aí um vinculo renovado com a família, em função das ajudas que concede as famílias: de contrário simplesmente esse vínculo desaparece, já que desaparece também a possibilidade de honrar os compromissos inicialmente assumidos na origem – com o consequente risco de desvinculação ou ruptura com a família, provocado, alias, por uma censura familiar, que dificilmente aceita, como natural o facto do emigrante não ter sido bem sucedido.

O Povo ao assumir a emigração como mecanismo de ascensão social horizontal e vertical, embora na prática deva ser considerado como instrumento de combate a pobreza, coloca o fenómeno da emigração, enquanto opção de natureza, eminentemente económica, como solução económica de último recurso: as soluções de “ultima ratio”, como são conhecidas, normalmente são equivalentes a estória daquele militar, que ao ver-se encurralado de forma assimétrica pelos inimigos, saca da última arma (ultimo recurso), que, normalmente, não pode falhar, mas que se falhar, as vezes, fica sem opção: ou é abatido ou se rende! O exemplo pode não ser o mais feliz, mais confere e permite explicar-se! E é por isso que em Cabo Verde as questões relacionadas com a emigração são tratadas de forma tímida, mesmos pela superstrutura do Estado, que normalmente quando mal alinhada, reflecte o entendimento popular errado da questão, e toda a comunidade de residentes, aqueles que se emigraram, mais que tiveram a sorte de regressar mais cedo ou mesmo aquele que anseia emigrar – esse por maioria da razão, pois que ainda não experimentou a aventura da emigração, olham de forma erronea para o “emigrante”, mormente aquele que regressar tão pobre quanto saiu - por que vítima infrutúneos diversos e logo insucedido! Aí, a comunidade de residentes reclama! Ele emigrou, mas regressou como se não tivesse emigrado, num claro e abusivo processo de formulação de juízo de valores, descriminando-o.

Quando um cidadão emigra do País, o seu espaço social, cultural e sobretudo o seu espaço socio-económico fica vazio e dificilmente é preenchido. Ocorre com esse cidadão o que a sociologia designa por mobilidade horizontal. Por conseguinte, o estatuto desse membro da família altera-se dentro da sua própria família: se ele for bem sucedido na emigração, esse estatuto altera-se para melhor e a mobilidade horizontal inicial consolida-se e passa a ser mobilidade vertical, e socialmente ascende dentro da sua própria comunidade, ganhando um novo estatuto, muitas vezes de "herói", e se não for bem sucedido o seu estatuto altera-se para pior e o tratamento é no sentido inverso – quase que é "diabolizado", porque satirizado e ridicularizado. E a família que fica no País, sendo garantia moral dos créditos feitos para aquisição dos diferentes títulos de emigração, vai-se permitindo desculpar tais credores, por via, muita vezes, do falar mal daquele “sujeito emigrado” , assumindo “mutatis mutandi” a autocrítica, que funciona, vezes sem contas, como tácticas para se proteger contra murmúrios e criticas e outras vezes para funcionar mesmo no sentido contrario ao acto sistemático de condenação desse sujeito emigrado. Estas questões teriam menor possibilidades de ocorrência se o cidadão permanecesse no País ou se emigrasse num quadro de maior planeamento do Estado ou se Estado assumisse mais responsabilidades na aquisição dos títulos de emigrantes.


FIM. MS / DEZ- O6

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