domingo, 21 de fevereiro de 2010

MANCHETE:CABO VERDE: A ÊRA DA 3ª REPÚBLICA


Artº: Cabo Verde a êra da 3ª República

Pretendo aqui , deste meu humilde veículo, lançar para a discussão pública, a ideia da 3ª República. Na minha modesta opinião - é justificado por causa do periodo pós transição que agora iniciamos. É justificado por causa da reconcialização do sistema constitucional. É justificado por causa do fim dos antagónismos vividos tanto na 1ª, como na 2ª República. Por fim, é justificado por causa do fim da primeira transição e pelas dinâmicas da tolerância vividas em 2001, alias, que são revigorantes para a República. Por isso, subscrevo aqui a ideia da 3ª República, propondo um debate nacional em prol de uma revisão cultural desses valores, para uma ética renovada e fundiaria do conceito da República - que para Cabo Verde deve ser a 3ª.

E porquê?...porque considero que Cabo Verde é um pais especial e o povo de Cabo Verde, pela sua natureza, é impar no mundo. Senão vejamos: Cabo Verde pertence ao grupo de territórios insulares de atlântico médio: - com uma economia de serviço ainda em transição para o desenvolvimento, profundamente dependente do exterior, caracterizando-se por estar enquadrada por um tipo de «insularidade endógena e central» e por assemtrias profundas entre as ilhas.

Um país desprovido de recursos naturais, cujos efeitos lhe conferem uma vulnerabilidade específica, não comparável a outros territórios insulares com as mesmas características, como seja Açores, Madeira, Canárias e as próprias ilhas Britânicas. Possui uma cultura singular e propria. Com uma população pouco mais de meio milhão de habitantes (500 mil pessoas), formado por dez ilhas e detendo uma diáspora constituída por quase o dobro da sua população residente (+-1.000.000 de pessoas), com um modelo económico centrado nos fluxos externos, mobilizados por via de donativos, ajuda orçamental, empréstimos concessionais, investimentos directos estrangeiros (IDE’s) e remessas dos emigrantes (RE), vive e sobrevive nos limites das suas possibilidades, possui uma baixíssima produção industrial, com um desemprego elevado na ordem dos 23% da população activa e uma moeda com «peg fixo ao euro» resultante do Acordo de Cooperação Cambial (ACC), assinado, com Portugal, em 1998.

Situado a 500 km da costa ocidental africana e a 2 horas e meia da Europa, ocupa um «corredor marítimo hoje considerado de grande potencial estratégico para o mundo», porquanto podendo ser ponto de passagem no comercio entre os três continentes («logistica internacional»), por que possuindo uma zona económica exclusiva (ZEE), que somado com o seu mar interior ultrapassa os 850 mil km2, fazendo fronteira marítima com a Europa, através das Canárias e pertencendo á sub-região da África de oeste, a CEDEAO, à Macaronésia e à zona ultraperiférica da Europa, sendo membro fundador da CPLP, fazendo parte do «arco» PALOP e pertencendo à União Africana. Cabo Verde é único pais não muçulmano da sua sub-região, que vivendo uma insularidade central, olha sempre para os três lados do mundo, buscando centralidade continental por forma a reduzir a sua periferia.

As suas particularidades, associadas a sua posição geoestratégica tem permitido a aproximação de interesses internacionais relevantes da Europa e dos Estados Unidos: exemplifique-se com o exercício da NATO, Steadfast Jaguar 2006. Esse exercício tinha como linha de orientação o seguinte conceito estratégico: «sendo Cabo Verde uma placa giratória actualmente apetecida pelos narcotraficantes, e sem meios nacionais adequados e suficientes para direccionar o combate contra tais fenómenos, tornar-se possível um tipo de cooperação que permita a articulação de meios, desenvolvendo acções tendentes a combater um flagelo cujos principais destinatários-vítimas são, afinal de contas, os países europeus». É enfrentando esses novos desafios que Cabo Verde tem vindo a apreender a gerir, expor e difundir a sua vulnerabilidade interna, consciente da profusão do dilema de ser um pequeno país, sem recursos e tornar-se em um parceiro útil no atlântico médio e reconhecido pelas comunidades das nações.

Um olhar sobre Cabo Verde permite dizer que, hoje, em 2010, apesar de todas as dificuldades, tendemo-nos a observar e a assumir um tal consenso teórico de que, do ponto de vista histórico, Cabo Verde entrou no seu périplo «pós-transição», facto que confere aos seus diferentes protagonistas uma exigência bem maior, designadamente em relação a sua capacidade de produzir diferenças políticas, em prol de uma maior liberdade de escolha dos cidadãos: esse período vai sendo animado pela «reconciliação do sistema constitucional», em consequência da última revisão constitucional. O período reconciliatório, a que eu me refiro, nega, como é evidente, as premonições revolucionárias pós independência, por um lado, e, por outro lado, assume e reafirma os valores da reforma e de estabilidade constitucional de 1992, aproximando, em larga escala, a narrativa da independência, com a narrativa da democracia, assumindo a liberdade como ponto maior desse triângulo, objecto maior do próprio processo de independência nacional: considero lançadas as bases para o desenvolvimento futuro do pais, ao que penso que será necessário uma adquação cultural da República, por forma a assegurar a consolidação do processo de desenvolvimento sustentavel, permitindo o regresso de milhares de almaas, dramaticamente diasporizadas.

Dito de outro modo, o postulado da reconciliação vivido hoje aproxima a fronteira das expressões políticas clássicas de embates eleitorais entre as duas maiores formações partidárias nacionais, MPD e PAICV. Enquadrado por essa nova realidade constitucional do pais, todos eles vão passar a ser partidos de independência; partidos da democracia e partidos da liberdade, na medida em que com a recente revisão da constituição, o Paicv fez uma evolução politica e ideológica, aceitando enquadrar-se subjectiva e espiritualmente no conceito constitucional de 92. E com isso parece que se pôs fim às dinâmicas divergente e antagónica entre a narrativa da independência, com a narrativa da democracia e a narrativa da liberdade, visíveis em toda extensão da 1ª e 2ª República, colocando no mesmo plano, todos os protagonistas: deixará de haver superioridade moral dos discursos em relação a esses valores e demais elementos fundiários da Republica, tanto de um lado como de outro lado, pois fundou-se um novo ponto de partida: ocorrerão um envelhicimento rápido de certos discursos políticos.

Nsse período que irá ser longo, por que de reconciliação, confiança e estabilidade, onde as alternâncias politicas possam ocorrer numa clima de pacto e de normalidade democráticas, tornar-se-ao cada mais vez envelhecidos discursos de diabolização dos adversários, assim como passarão a ser incompreendidos discursos que colocam mal a imagem da nossa democracia, designadamente discursos políticos que alimentam a ideia de «fraude eleitoral», pois isso antagoniza com o esforço parlamentar consensual de estimulo à confiança, produzido nesta legislatura, tanto na revisão do código eleitoral, como na revisão da constituição.

Considero, assim, que o quadro político actual é de acordos de regimes, ainda que não celebrados e traduzidos em tratados políticos concretos, com incidência parlamentar. Restar-nos-á a prossecução de um esforço maior para compreender e situarmo-nos nesse novo contexto, para que possamos acompanhar esse percurso da sociedade cabo-verdiana, levando-a a concluir o fim histórico da 2ª República, marcando, inevitavelmente, uma nova era em busca de um novo paradigma: a era pós transição; a era de recentragem politica e da valorização do centro politico; a era da reconciliação e confiança, de estabilidade e credibilidade do nosso sistema politico – uma espécie de triangulo, que a luz da história poderá aportar o advento da 3ª República.

Em consequência dessa realidade temos de pensar de outra forma no futuro do pais, pois o curso histórico de Cabo Verde e da sua economia parecem depender mais da sua capacidade de absorção de um conjunto determinado de fluxos externos, no sentido da transformação desses recursos em recursos internos tangíveis e endogeneizáveis (a FBCF), potenciada pelo desenvolvimento e pelos progressivos alinhamentos e incorporações das novas tecnologias de comunicação e informação, do que pela aceitação de qualquer outra realidade política experimental imitado do exterior: diria mesmo!.. Acabou o período de experimentação, pois estas terras insulares e o seu povo entraram no seu período pós transição e de consolidação do seu sistema político e constitucional.

Assumemos entao essa visão de futuro que tem de ser moderna e renovada do país e, seguramente, uma visão que antes de destruir as lideranças, estimula e encoraja a sua multiplicação e surgimento de novas lideranças, pois não podemos deixar de apreender com a história, que ao longo dos 35 anos de independência, fez com que perdêssemos muitas oportunidades decorrentes do tipo de lideranças políticas que foram sendo constituídas, em consequência da nossa exígua capacidade de planeamento, de estudo e compreensão da nossa sociedade, dos fenómenos políticos internos, externos, internacionais e globais, que fizeram com que vivêssemos 15 anos anestesiados por um regime retrógrado de partido único, desculpando-nos, hoje, mutatis mutandi, o erro, afirmando que terá sido um período inevitável de construção do Estado de cabo Verde.

Demoramos cerca de ¼ de século (25 anos) a percorrer o bojo de um lento período de transição política, iniciado em 1975, passando pelas eleições pluripartidárias de 13 de Janeiro de 1991 e só concluído em 2001, quando ocorreu a grande tolerância política nacional, e a sociedade cabo-verdiana permitiu o regresso do Paicv ao poder. Concorda-se que em 2001 fechou-se um ciclo de 25 anos. Por outro lado, passamos 10 anos a concluir a nossa primeira grande «reconciliação constitucional», apenas possível porque o MpD está na oposição. É assumindo tais linhas de orientações que Cabo Verde poderá traçar o seu desenvolvimento com metas concretas realizáveis num período de 15 anos, onde, por exemplo, seriam possíveis duplicarmos ou triplicarmos o nosso PIB/pc; num período de 25 anos, onde poderíamos assumir como meta a quadruplicação do RN/pc; ou num período de 35 anos onde, multiplicaríamos por cinco a população residente e no mínimo projectar um país, onde num período de 50 anos fosse possível albergar cinco ou dez milhões de habitantes, de forma a transformarmos o nosso país num mercado potencial com interesse estratégico relevante em termos de consumidores e de poder de compra dos cidadãos nessa sub-região africana.

Tais metas, se forem assumidas como objectivo nacional, no curto, médio e longo prazo, e se forem cumpridas com rigor, contribuiriam para que a visão que temos hoje do nosso pais e que resulta, em certa medida, dessa insularidade central das nossas ilhas, fosse alterada tendo como base o desenvolvimento de uma orientação estratégica, onde tais insularidades pudessem ser consideradas marginais, à semelhança do que acontece com as ilhas da Madeira, Açores e Canárias, para não dizer em relação às próprias ilhas britânicas. Dirão alguns se são razoáveis e prudentes fixarmos tais metas? Dirão outras pessoas que sim, pois que importa termos ambição, como, alias, têm sido os cabo-verdianos ao longo da sua história, que para ultrapassarem as debilidades do país não se coibirem de emigrar para as roças de São Tomé e Príncipe, para aí trabalharem em regime de contratado. Uma realidade que ainda tem entre nós força da história com referência negativa, de tal sorte que hoje, seguramente e por causa da cultura de emigração, mais de 2/3 da população total de Cabo Verde (residentes + não residentes) residem na diáspora.

A nossa sorte resulta do facto das pessoas deixarem de emigrar para zonas do globo que lhes são economicamente desfavoráveis, ao que a nossa população deixou há muito tempo de emigrar para São Tome e Príncipe, de tal modo que mais de 70% desses 2/3 de Cabo-verdianos da diáspora residam em espaços desenvolvidos do globo, o que faz com que os objectivos de desenvolvimento, a prosperidade e a qualidade de vida em Cabo Verde, por força da imitação, não são estranhos ao processo cultural de luta do nosso povo, o que permitirá pensar em novas oportunidades, não se podendo, por isso, governar com paliativos e sem olharmos para todos os sectores da economia do pais e para os erros cometidos ao longo dos tempos, tanto pelo sector público como, em função da sua influência, pelo sector privado.

Considero, pois, ser mesmo urgente começarmos a pensar num processo regenerativo da nossa economia e da nossa sociedade, olhando de forma diferente para a estrutura do nosso PIB (Produto Interno Bruto), para a estrutura do nosso RN (Rendimento Nacional), na medida em que, tanto um como outro, resulta de fluxos provenientes do exterior, o que permite dizer que se o pais - não adoptar um modelo económico próprio integrador dos recursos dos cidadãos, das famílias e das empresas; com uma visão realista do mercado e de mundo; numa economia que, sendo liberal, deve, antes de tudo ser também, de e para a sociedade, de rosto humano e livre de corrupção e ajeitamentos públicos, que se orienta pelos padrões civilizacionais da economia social de mercado, da justiça social -, podendo comprometer o presente desta geração e o futuro dos nossos filhos e netos-, permitindo o estabelecimento de lideranças esclarecidas que, de forma transparente, saibam pensar numa 3ª República e mobilizar a Nação.

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