segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A comemoração do Dia de Liberdade e Democracia deveria ser responsabilidade da Assembleia Nacional.

Olhando hoje à distância de 18 anos, podemos dizer que, de facto, 13 de Janeiro valeu a pena. O dia ganhou importância histórica e coloca-se, hoje, ao lado das grandes datas da República, igualando-se a 5 de Julho, dia nacional dedicado a comemoração da independência. Seria muito importante que a comemoração de 13 de Janeiro fosse, inclusivamente, da responsabilidade regimental da Assembleia Nacional e em consequência dessa exigência ser objecto de consensualização futura entre os Partidos políticos, para poder ser reconhecido por todos e ser festivamente solene e nacional. Como tal, a comemoração desse dia deveria ser reflectida num acto oficial do Estado. Solene e obrigatório à semelhança do que se faz, e bem, com o dia 5 de Julho, designadamente para a promoção e preservação dos valores da independência, da liberdade e da democracia, de modo a influenciar positivamente e mesmo liderar as principais narrativas que caracterizam as instituições do Estado, num país onde prevalece o princípio constitucional do Estado de direito democrático.

No dia 13 de Janeiro, o país poderia, com sentido de oportunidade, ser levado, todos os anos, a produzir um conjunto de reflexões, nomeadamente sobre a qualidade do nosso Estado de direito democrático, da liberdade que exercitamos, da qualidade da democracia e do regime que escolhemos. A data poderia, por isso, ser comemorada numa sessão parlamentar especial, convocada para o efeito, com os discursos solenes do Presidente da República, do Presidente da Assembleia, do Primeiro-ministro, dos líderes dos Partidos de oposição com assento parlamentar, presença do corpo diplomático, representantes da justiça e da sociedade civil. Nesse dia, o país deveria conhecer e partilhar os grandes desígnios nacionais, honrando a Republica e dando proeminência e centralidade parlamentar ao carácter democrático do regime, fundado a 13 de Janeiro e ratificado pela “Constituinte” de 92. Na verdade, pode-se ainda dizer que a coerência na gestão dos assuntos do Estado manda que só podemos falar da qualidade da democracia em Cabo Verde se assumirmos, também, um dia para a sua homenagem pública: 13 de Janeiro é, sem sobra de dúvida e legitimamente, esse dia.

Por conseguinte, é importante chamar atenção para a data, pois da mesma forma que não se pode ter dúvidas quanto a importância do dia da independência nacional, não se pode nunca tirar relevância histórica, alimentar dúvidas, sobretudo as de natureza ideológica, quanto a importância do dia 13 de Janeiro para a nossa liberdade e democracia, porque os Cabo-verdianos sabem e recordam bem o quanto custou ter independência sem democracia e logo sem liberdade.

A independência, a liberdade e a democracia jogam na nossa sociedade um papel de fundo e devem andar na nossa história política de mãos dadas, porque fornecem meio-termo e equilíbrio à nossa vida em comunidades, atribuindo, nomeadamente sentido de nacionalidade aos Cabo-verdianos no pais e na emigração. Desse ponto de vista, devemos sempre ter presentes e recordar de que antes da independência a Nação cabo-verdiana, excessivamente diasporizada, exigia liberdade, como forma de negar a alienação, a escravatura, a opressão, a repressão e o colonialismo, tendo reivindicado, para si, a independência política, como meio para gerir a sua soberania cultural e territorial, para conquistar a liberdade. Mas a independência, em si, não trouxe, de imediato, a liberdade, por não se ter alinhado, a priori, com a democracia. Por isso, é o mesmo povo que sufragou a independência a 5 de Julho de 1975, que requereu a democracia a 13 de Janeiro de 1991, para se poder exprimir em liberdade, desta feita, recorrendo ao voto popular, como forma de expressão dialéctica, genuína e final do exercício do direito à liberdade.

Assim, como a Assembleia Nacional reflecte o carácter plural e diverso dessa liberdade, comemorando solenemente 5 de Julho, não tornar 13 de Janeiro, em uma das datas de referência e de solenidade obrigatória para a República, tornando a sua comemoração obrigatória pelo Parlamento, é, na verdade, uma omissão grave, e uma forma de desvalorização da própria democracia, que temos todos obrigação constitucional de promover e preservar, agindo em consequência daquilo que foi a mensagem fundamental de 13 de Janeiro, em que o povo saiu a rua para dizer que a melhor forma de viver a independência seria através da vivencia e coabitação em liberdade. Que a melhor forma de viver em liberdade seria a vivencia e coabitação em democracia. Que a melhor forma de viver em democracia seria o direito de se exprimir através do voto popular, sendo este a forma politica sustentável e última de se garantir a própria independência, fazendo com que as suas conquistas fossem transformados em realidade cultural inalienável da nossa cultura, no pais e na diáspora.

Ignorar 13 de Janeiro é ignorar a própria história política e democrática de Cabo Verde, pois naquilo que parece ser fundamental e atribui razões a aqueles que defendem e exigem uma comemoração digna e solene para 13 de Janeiro, relaciona-se com o facto de existir um direito de formar e informar as novas gerações, sobre o percurso político de Cabo Verde (hoje muito pouco conhecido ou mesmo escondido das gerações mais novas) emprestando dignidade formal a todos os seus momentos. Daí que por aquilo que 5 de Julho e 13 de Janeiro representam para o pais e por aquilo que as duas datas deveriam significar para a nossa sociedade, a comemoração das duas datas deveria ter a mesmíssima consagração e dignidade nacionais e serem corporizadas por agendamento da Assembleia Nacional.

Cientes de que ser-nos-á difícil afirmar a nossa nacionalidade na plenitude, se ignorarmos a história ou simplesmente se desprezarmos aquilo que a nossa memória colectiva reserva de melhor no processo de afirmação da nossa identidade política, parece assaz crucial dar dignidade a 13 de Janeiro. Fazer isso é, no fundo, reafirmar a dimensão não ideológica do Estado e, em contraponto, é afirmar um Estado constitucional: é no fundo promover a liberdade e utiliza-la na formação da consciência política da Nação que, legitimamente, todos nós gostaríamos que fosse reflectida e democraticamente representada no corpo do Estado e pelas suas instituições.

A não-comemoração do dia 13 de Janeiro de forma solene, a semelhança do que se faz com o feriado nacional em 5 de Julho, emprestando-lhe dignidade de dia nacional, através de um acto central do Estado, na Assembleia Nacional, confirma e demonstra que o Estado de Cabo Verde precisa definir com alguma urgência os contornos dos seus desígnios estratégicos de longo prazo, alinhando-os com os desígnios da Nação (negando a ideia de ser Estado parcelar, que pratica dissidência ideológica e orgânica) para que, em função dessa definição, possa gerar e assumir os grandes consensos nacionais, que se exprimem, muitas vezes, nas datas oficiais da Republica, coisas que a partida parecem ser pequenas, porque se resumem num dia, mas com uma importância simbólica fundamental para a subsistência da Nação, a longo prazo. Não dando solenidade a 13 de Janeiro é dizer, ainda, que o Estado de Cabo Verde insiste em orientar-se pelo mutismo ideológico de partido único, fundamentado no erro de uma falsa legitimidade ideológica, de todo, inexistente e que conduziu o pais a um engano cultural, ainda muito difícil de ser ultrapassado, inclusivamente em face da forte narrativa da liberdade e democracia que, no fundo, constituem o berço identitário do nosso Estado de direito.

Miguel Sousa

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