segunda-feira, 7 de maio de 2007

POLITICA FISCAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO E LUTA CONTRA A POBREZA (continuação II)

A Assembleia Nacional organizou nos dias 12 e 13 de Abril (p.r) um Fórum Parlamentar, sobre “Politicas Fiscais, Desenvolvimento Sustentado e Luta Contra a Pobreza”, propondo no escopo dos seus resultados possíveis: i) identificar politicas fiscais que possam contribuir para o desenvolvimento sustentado e a luta contra a pobreza, tendo o mesmo fórum sintetizado o seu debate em torno da alínea q) do artigo 175 da Constituição que diz (…) “as bases do sistema fiscal bem como a criação, incidência e taxas de impostos e o regime das garantias dos contribuintes, constituem competência legislativa absolutamente reservada”. Uma visão de esquerda, diria, mas preventivamente útil à estratégia de dar centralidade ao debate que envolve questões de regime, designadamente no que se refere ao modelo de desenvolvimento que auguramos para Cabo Verde.

Resultará como atitude de bom senso e prudência reconhecer que o ambiente económico, actualmente caracterizado por uma expectativa positiva que se vive hoje em Cabo Verde, vai provocar mudanças de atitudes nas pessoas e na sociedade e por isso deveria ser percursora de um “Tratado Social” partilhado entre a Situação e Oposição parlamentar, através de um Acordo de Regime. E com isso estaríamos a falar do futuro que, como é óbvio, vai ser diferente, e ira ter, também, valor actual diferente e exige novas visões políticas, propondo, seguramente, um esforço reformista e o reposicionamento nos discursos políticos. Ver o País da mesma forma que o víamos há 10, 20 ou 30 atrás é politicamente redutor e não estimula essa mesma expectativa. E exceder na valorização do passado, quando o que está em causa é o futuro, é perda de tempo e uma forma de desfocalização da agenda política nacional, mormente perante as novas externalidades e ameaças, resultantes dos efeitos induzidos por um crescimento económico, sem qualidade social.

Nestas circunstâncias, concorde-se, portanto, que a política fiscal deveria enquadrar-se no Governo e não no Parlamento. Mas não é de todo descabido considerar que sendo a questão dos impostos, questão de regime, é meritório a alínea q) do referido artigo 175, na medida em que estabelece limites a um Estado que ainda não apreendeu ser regulador material da economia e da sociedade e excede, quando não fomenta, por via da ausência de cultura de regulação, nem a identidade fiscal do novo rico e da nova riqueza, nem a identidade fiscal do antigo pobre e do novo pobre (porque os desconhece) e, quando estimula um tipo especulação imobiliária fundiária, que diverge da nossa realidade social e agrava as desigualdades e dependências entre cidadãos. Seria, por isso, imprudente pensar em quaisquer desblindagem do sistema de imposto, fazendo cair a alínea q) que não fosse por via de um compromisso maior: um “Acordo de Regime que vincula um Tratado Social”, que, para além de possibilitar a definição de um modelo de desenvolvimento possível e sustentável, daria centralidade política às questões de regime, tendo por base um crescimento económico, harmonioso e com qualidade social, e por via do qual se adoptaria medidas instrumentais como, por exemplo, a definição de um valor para o salário mínimo nacional, o aumento da pensão de sobrevivência que hoje assume valores ridículos e se adoptaria outros instrumentos de redistribuição de rendimento e correcção das desigualdades sociais, prevalecentes no Pais.

Importaria saber que, se o desenvolvimento da temática fiscal é tão importante quanto oportuno, deve obrigar o estabelecimento desse Acordo, promovendo novos entendimentos entre Oposição e Situação.

Por outro lado, a eliminação da pobreza e a qualidade de vida dos cidadãos constituem fim último de qualquer processo de desenvolvimento: no fundo é bom pensar numa política fiscal virada voltada para o desenvolvimento (no sentido do fomento da identidade fiscal de toda a sociedade, dos residentes e dos emigrantes) e um desenvolvimento, que resulta de um crescimento económico harmonioso e com qualidade social, devendo ser isso propósito fundamental das políticas públicas do Governo. E é aí que pode estar a residir a métrica das diferenças ideológicas entre Situação e a Oposição e é seguramente aí que estão as bases para as alternâncias políticas.
Existe uma relação proporcional inversa entre politica fiscal, desenvolvimento sustentado (ou sustentável) e o fenómeno da pobreza, na medida em que quando maior for o crescimento económico, menor deveria ser a pobreza. E se o Governo estiver disponível para gerir essa relação positiva e fornecer contrapartidas políticas reais à sociedade, resulta claro que se deveria desblindar o sistema e deixar cair a alínea q) do artigo 175 da Constituição, por via da “titularização política” desse Acordo de Regime, sob a consciência de que existe um limite económico quanto essa correlação que assenta na capacidade do País em encetar sacrifícios, que decorram do deferimento temporal do não consumo dos benefícios directos do crescimento económico, a favor de mais poupança e de mais investimentos e mais coesão social e que respeita e observa de forma harmoniosa um processo redistributivo da riqueza, através de reinvestimentos dos excedentes da economia, por via de uma política fiscal proeminente em benefício da integração das classes sociais menos favorecida, que forçadamente estão em transição e a movimentar-se por todo o país.

O tema do Fórum titulou seus objectivos com discussões hoje sugerida por literatura corrente e especializada em matéria de fiscalidade e da relação social entre o regime fiscal de um País e a pobreza dos seus cidadãos, que aconselha de forma clínica e densificada não existir outro caminho para se reduzir a pobreza numa sociedade que não seja por via da responsabilidade fiscal da sociedade e do Estado e através de medidas de politicas que resultem da identidade eleitoral, por um lado, e fiscal, por outro lado, de todos os seus membros – aqueles, que, por razões circunstanciais são ricos ou que simplesmente são pobres. De contrário, seria o próprio Estado que, sem querer, estaria a contribuir para o aprofundamento social das dependências dos cidadãos, deixando alastrar por via disso o fenómeno da pobreza.

Concluir-se-á, desta forma, pela oportunidade da temática e pela importância no actual contexto de desenvolvimento do País na defesa de um tal “Acordo de Regime e um Tratado Social” em prol do desenvolvimento sustentável consequente e o que a sua discussão pública poderia ajudar na minimização dos equívocos que resultem de um crescimento económico sem qualidade social, que tende a verificar-se pelo Pais adentro.

Estabelecendo relações entre fiscalidade e pobreza desenvolver-se-ão mecanismos de dependência e de interdependência entre as duas variáveis e os cidadãos ganhariam maior capacidade de escrutínio holístico e espacial em relação (aí sim) à luta contra a pobreza: melhor dizendo, por essa via, poder-se-ão fixar limites positivos entre as finanças públicas do País e o escopo do envelope financeiro endógeno que os cidadãos se dispõem a pagar para a eliminação da pobreza. E isso imporia uma reforma profunda do Estado providência que ainda hoje subsiste e que caminha ininterruptamente para a falência enquanto modelo. Portanto, crescimento económico, com equidade e justiça fiscais e qualidade social, fixando como linha de força, um limite temporal máximo para a luta contra a pobreza, enquanto variável instrumental securizador do desenvolvimento sustentável para Cabo Verde.

Miguel Sousa

COMENTÁRIOS

1. Dois comentários ao texto:
1)não pode haver simultaneamente uma relação de dependencia e de interdependeica;ou é um ou outra.Senão,qual seria a varialvel dependente e qual seria a independente?
2) a falência do Estado Providência verifica-se principalmente nos países ocidentais principalmente por causa do envelhecimento da população.Se CV tem uma população no geral jovem,inclusive a população trabalhadora,a nossa segurança social está longe desse estado eminente de falência (acho que esse erro foi mais um dos provocados pela tique copy-paste para a realidade cv de estudos e livros que se referem aos paises ocidentais)
nome: DJango
email: django@hotmail.com

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