quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

CABO VERDE E A INTEGRAÇÃO REGIONAL NA CEDEAO


Permito-me participar no debate sobre Cabo Verde/CEDEAO, ousando repetir como Cabo-verdiano e Africano, que para mim não existem mais espaços mágicos, onde realmente os Cabo-verdianos têm vantagens, porque "sou produto da jurisprudência cultural do Continente africano" e não consigo alinhar-me na negação do reflexo da sua contingência na formação da nossa sociedade e do nosso querer colectivo, por mais dura que ela tenha sido no passado, pois que à semelhança de tudo o resto que nos circunda, e sem negar outros elementos da nossa cultura, em Cabo Verde, a Africa entra-nos pela porta adentro e não há como negar a expressão dessa soberania cultural, justaposta nos traços culturais de gentes das nossas ilhas, como se evidencia em todo o arquipélago.

Na verdade, por causa da constituição étnica e tribal do Continente, muitos querem fugir dele, motivados ora por puros complexos e outras vezes, com razão, pelos insucessos dos regimes neo-colonizados instalados em Africa, por culpa da “Geração de Utopia” como descreve os mais raros teóricos africanos, como Joseph Kizerbo e tantos outros, que Deus os tenham em paz.

Mas na verdade, raros são os Países africanos cujos Estados-Nação coincidem com o conceito de Estados-território. Nessa medida, Cabo Verde é uma excepção a regra, por causa da sua unidade cultural e o debate sobre a integração africana, designadamente em Cabo Verde nunca foi assumido como desafio da extensão democrática dos nossos povos e nunca está encerrado e está sempre na ordem do dia, ao lado de outros desafios, como sejam a educação, o desenvolvimento humano. A discussão deve ser desenvolvida de forma livre e sem quaisquer paixão e no limiar do interesse nacional.

CABO VERDE: DA UNICIDADE CULTURAL À DEMOCRACIA LIBERAL

Felizmente, Cabo Verde, apesar de pequeno e insular, beneficia do princípio de unicidade cultural da sua Nação, tendo sido, por isso, fácil de encontrar na sua génese uma porta de saída, a propriedade democrática que o leva a enfrentar esse isolamento africano, mesmo num cenário de tentativa variada, pois que, seguindo as transformações e mudanças geopolíticas globais, soube adoptar a democracia liberal e representativa de base parlamentar, que atribuiu a responsabilidade de desenvolvimento ao seu próprio povo e a mais ninguém.

A democracia liberal é uma das terapias possíveis, pois salvaguarda as vicissitudes e tentações totalitárias e estando, ainda, em aperfeiçoamento e expansão institucionais em Cabo Verde, trouxe ganhos assinaláveis ao país e coloca-o na vanguarda do desenvolvimento. De país desprovido de recursos, insular e dependente da "caridade internacional", transformou-se num país de Desenvolvimento Médio (PDM) e fazemos parte do rol de países recém independentes que está a caminho de gerar uma visão e um modelo de desenvolvimento próprios reconhecidos no mundo, tendo multiplicado várias vezes o seu PIB/per capita em 30 anos de independência, aumentando a felicidade geral do seu povo.

Porém, à semelhança de outros países tem de estar atento às mutações internacionais e a exposição a certos riscos a que está sujeito, também, hoje, de características globais, que, alias, tem vindo a intervir, grosseiramente, no desenvolvimento de alguns países em Africa, provocando estagnação, ruínas e retrocessos no desenvolvimento desses Países.

O DEBATE SOBRE CEDEAO E A INTEGRAÇÃO REGIONAL DE CABO VERDE

Nos últimos tempos, pela inexistência de uma linha rumo, o Governo abriu debate sobre CEDEAO, chegando a ser questionado se o País deve ou não manter-se nessa comunidade? Na verdade podemos perder a visão, mas nunca perder a razão, pois assumindo a razão deste ou daquele ângulo, podemos prejudicar ou beneficiar alguém e nesse caso podemos prejudicar o interesse geral do povo de Cabo Verde.Pois bem: CEDEAO é uma comunidade regional, constituída por países da costa ocidental africana, com mais de 230 milhões de habitantes; mais de um quarto da população de todo o continente, onde se falam um conjunto de vários estratos linguísticos, de entre as quais se destacam três línguas europeias, nomeadamente inglês, francês e português e constituída por Países como Benin, Burkina-Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gambia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.

Para esse debate, importa ter presente, alguns dados: desde logo a posição geográfica do território cabo-verdiano e a complexidade dos seus sistemas de busca de ancoragem no plano global e em face de uma certa avaliação positiva que se deve fazer das vantagens de integração de um País pequeno, insular numa organização internacional, regional e/ou numa comunidade económica, seja de que dimensão for, que, como é consabido, demora tempo a concretizar-se e tendo custos, tendo sempre em linha de conta que a integração de um País numa organização, depois de feita é tratada como recurso político estratégico inalienável do Estado integrante, por conta da natureza quase irreversível que a decisão política de integração numa organização internacional por parte de um País representa em termos de compromissos internacionais válidos.

Ou seja a decisão de filiação ou de integração num organismo internacional e regional acontece só depois e muito depois de uma avaliação politica e diplomática prévia e circunstanciada, sistematizada e rigorosa do interesse nacional. Daí que desintegrar-se de um organismo internacional por mais fraco que seja, pelas externalidades negativas que induz contra o País desintegrante, não pode ter como leitmotiv uma atitude política irreflectida.

CEDEAO O NICHO ESTRATEGICO DE PROJECÇÃO POLITICA DE CABO VERDE

Na minha opinião CEDEAO é, sem sombra de dúvidas, um dos nichos de integração económica regional estratégicos para Cabo Verde. Os fundamentos dessa arquitectura e sua expressão devem encontrar razão nas vantagens que isso representa para o País, e não pelos gradualismos de natureza económica e comercial, pois podemos iniciar relações diplomáticas com Países com as quais nunca teremos quaisquer relações comerciais, pelo que o melhor caminho parece apontar para o aprofundamento da integração nessa comunidade e uma discussão franca com os diferentes Países, tendo em vista os novos interesses estratégicos de Cabo Verde, perfeitamente compreensível no plano internacional, por forma a que eles sejam levados em consideração, por parte desses parceiros regionais.

A desintegração fragiliza os mecanismos de defesa de Cabo Verde no plano regional, continental africano e global, e expõe a sua fragilidade face as ameaças que se assumem, hoje, como “assimétricas”, com origem diversa, num cenário de risco potencial, completamente desordenado e desconheconhecido, onde necessariamente devem ser mobilizados meios e parcerias diversas para a sua melhor prevenção.

A OPOSIÇÃO A CEDEAO E O CONTRAPONTO DA IMIGRAÇÃO ILEGAL

O debate oposicionista em relação a CEDEAO foi viciado, por razões de politica interna, desde logo na sua origem e não pode ser fundamentado tão somente com recurso ao pleito ou ameaça de vagas de imigrantes do corno de Africa em direcção a Europa, que forçosamente e de forma incidental, passa por Cabo Verde e se sedentariza, adquirindo o estatuto e condição de imigrantes: tais vagas de imigração ilegal para a Europa não mina a credibilidade da CEDEAO, por serem incidentalmente pontuais.

Além do mais não me parece seja assunto que vincula directamente a missão da CEDEAO ou a partir da qual possamos avaliar o seu desempenho e interesse geral, estratégico regional., enquanto organização de carácter multilateral regional.Por outro lado, é minha convicção que a vaga de imigrantes, de per si, não constitui razão política suficiente para se arguir contra CEDEAO e para se avaliar do grau da sua não utilidade estratégica para Cabo Verde. A vaga de imigrantes do corno de Africa para a Europa, podendo ser avaliada como um risco e uma ameaça real para a estabilidade social de Cabo Verde, colide, mormente, com a incapacidade de regulação dos País, em assumir, nomeadamente um sistema de acolhimento que produza correlação positiva com a nossa emigração.

CABO VERDE E AS AMEAÇAS GLOBAIS AO SEU PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

As ameaças externas a Cabo Verde não são provocadas pela chegada dessas pessoas pobres e desgraçadas que procuram, legitimamente, fugir da guerra, da fome e da miséria dos seus Países, cruzando o atlântico. Parece ser possível defender que, no plano estratégico, as ameaças possíveis que Cabo Verde vai ter de enfrentar, no futuro, pode vir do seu interior: resultante de façanha de um Estado que promove a exclusão social, descriminando comunidades inteiras com prestações sociais que deveriam servir como instrumentos para a inclusão das pessoas; da desordem urbana e proliferação de guetos; de uma sociedade cada vez mais segmentada que separa os ricos dos pobres, obrigando esses a procurarem emigração como solução para a sua felicidade; pelas ameaças que representam o trafico de droga, a especulação desregrada e a corrupção, em face dos parcos meios para se despoletar um sistema de prevenção que vá de encontro dos interesses das comunidades.Estou convencido que as ameaças podem ser engendradas a partir dessa realidade, em oposição à necessidade de integração da emigração cabo-verdiana no País, no centro das grandes decisões políticas nacionais e, em consequência, serem, também, sujeitos dos seus efeitos.

Cabo Verde é um País de emigração que caminha para o desenvolvimento. E, já, é também um País de imigração, porque, por mérito próprio, está a experimentar um crescimento económico acelerado, necessitando de mão-de-obra. Com efeito, não pode o Estado deixar de assumir as suas responsabilidades, revendo o código laboral em sede da concertação social, combatendo toda e quaisquer formas de exploração de pessoas no seu território.

OS INSTRUMENTOS PARA UMA INTEGRAÇÃO REGIONAL DE INTERESSE

O que temos de fazer com os parceiros da CEDEAO é, pedagogicamente, exigir deles mais responsabilidades para com os seus cidadãos, melhor coordenação de políticas entre os Estados e melhor regulação no que toca a circulação de pessoas e bens a nível desse espaço económico regional, com base num novo e estruturado contrato de comunidade regional, onde os interesses de todos são equitativamente respeitados.

Propor os nossos Parceiros regionais que certas medidas de políticas, como a moeda única só tem razão de ser para Cabo Verde, se em contraposição fossem possíveis projectar a utilização do “o escudo cabo-verdiano” como divisa e moeda de referência regional na CEDEAO: uma espécie de “escudização” das economias da região, que permitiria dar dimensão a nossa economia e construir um novo paradigma e espaço de negócios para Cabo Verde e para os Cabo-verdianos, tendo em linha de conta o crescimento da nossa economia e a necessidade de alargamento dos negócios aos nossos empresários.

O domínio financeiro é a área onde Cabo Verde tem acumulado mais experiência e o sucesso da paridade do “Escudo” em relação ao “Euro” promete, de forma sustentada consolidar essa experiência. A nossa moeda pode, perfeitamente, ser utilizada como moeda e divisa regionais, em concorrência com o Franco CFA, sendo também instrumento d integração regional.Uma visão moderna e diferenciada sobre CEDEAO obriga o País a pensar no futuro e considerar a área da sua geopolítica.

Resultará num erro estratégico abandonar CEDEAO por parte de Cabo Verde, pois, no presente momento, parece, óbvio, que deveríamos considerar o cenário de produzir um sistema de ancoragem regional e global para a economia cabo-verdiana: a integração regional e africana de Cabo Verde parecem complementar extensivamente o esforço diplomático na produção dessa ancoragem do País, podendo ser perfeitamente enquadrada com os interesses estratégicos que Cabo Verde possa ter na Europa, nos Estados Unidos, com a própria China, nos PALOP’s e na CPLP.Advogar a saída do País da CEDEAO, com a simples justificação de que já não está na moda, ou porque estamos com olho na Europa, traça alguma “não-visão” que nos deve interrogar a todos.

De contrario Cabo Verde deveria, sim e com razão e visão, colocar, se possível, sua cabeça na Europa, nos Estados Unidos e na própria China, ter o seu coração em Africa, mas jamais abandonar o seu quadro de nicho natural de influencia e de integração regionais. Importa avaliar as consequências e os danos internacionais que apenas o debate sobre uma eventual saída de Cabo Verde provocaria, junto dos Parceiros da CEDEAO. Cabo Verde podendo, legitimamente, questionar toda hora a utilidade estratégica da CEDEAO, deve faze-lo com prudência e moderação, e numa perspectiva de plena lealdade internacional e regional. Não compreender a complexidade que encerra a CEDEAO, seria não compreender os imperativos do desenvolvimento de Cabo Verde e do espaço de conquista necessária à sobrevivência económica das gerações vindouras.

A CEDEAO deve ser uma das apostas externa de Cabo Verde. Pode e deve ser compreendida numa óptica de complementaridade com a Europa, com os Estados Unidos de América, com a China e com o Continente Africano, num quadro de parcerias conjunta com as ilhas de macaronesia, Palops e CPLP, sem nunca se esquecer da nossa dimensão territorial e de sermos uma micro-Estado insular, desprovido de recursos naturais. Parece-me adequado dizer e repetir que Cabo Verde, na gestão dos resultantes desse quadro regional, deve disponibilizar a sua vocação atlântica como porta de entrada e de saída do e para o continente Africano, procurando, sempre que puder, marcar posições, agigantar-se e inovar e nunca desistir ou auto-excluir-se.

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