segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

É "diplomacia política furtiva" desenvolver relações diplomáticas com países de ditadura?

Pergunta-se.

Na medida em que, o “stress agravado” resultante da crise da banca tem trazido para o quadro internacional o risco da desenvoltura do que se chama, em jeito especulativo, de diplomacia política furtiva - um conceito novo alinhado com o conceito de "estado pária", da êra "Bush", muito falado na dácada passada. Muitos governos e países estupefactos com o que estará a contecer no mundo, entenderam que uma das formas de se contornar a crise, poderia, eventualmente, ser a corrida ao dinheiro fresco, confundindo crise financeira com crise económica e crise de produção e colocando a crise financeira no centro das preocupações da sua politica externa, desenvolvendo, então, uma especie de diplomacia politica furtiva.

Vários países como, por exemplo, Portugal desenvolveu estranhamente relações com Venezuela, de Hugo Chaves, com a Líbia de Kadhaf e com outras ditaduras, porque, supostamente,estes países possuem "fundo soberano", portanto dinheiro fresco, e estão disponiveis para investir, e os mesmos porque isolados do mundo aproveitam a oportunidade para demonstrar que afinal não são aquilo de que todos pensam, disponibilizando isso mesmo, o dinheiro fresco, através do fundo soberano: portanto um clcio vicioso.

Esta crise financeira ombreia-se com a crise de produção, especialmente, em relação a rarifação de certos factores de produção e das commodities. Tende a complicar as relações diplomáticas entre países, porque todos andam a cata de culpados pela crise e ninguém quer assumir as suas próprias responsabilidades, não se tratando nem de uma crise económica qualquer, como dizia Stiglitz, nem de uma crise provocada pela ausência do capital, conforme assinala Fernando Henrique Cardoso, pois que o dinheiro existe e está em circulação. Escassos são os valores e princípios da ética e da moral. Pode dizer-se, que o que terá ocorrido na prática é mesmo um fenómeno bem estranho que resulta da crise de confiança que afecta o agente económico, o Capital (a banca), e indirectamente, todos os outros agentes económicos, por causa da excessiva financiariazação a montante da economia e um relativo despreso dos sectores que tradicionalmente conformam a produção.

Com o objectivo de mobilização de recursos externos para o financiamento do seu processo de desenvolvimento, Cabo Verde, através do seu governo tem vindo a fazer progressão diplomática orientada para Europa, Estados Unidos, China e para países africanos, designadamente Palop’s e países da CEDEAO, tentando procurar formas de superação dessa crise ou novas fontes de financiamento: com os Estados Unidos o (MCA) Millennium Challenge Account simboliza o ponto máximo da cooperação entre os dois países. Com a União Europeia, a parceria especial, a integração das nossas comunidades na Europa a livre circulação dos nossos cidadãos na Europa podem reflectir o essencial da estratégia diplomática de Cabo Verde, com o velho continente. Com a China, essa relação assume aspectos interessantes, se olharmos para o quadro de contributo ao desenvolvimento despendido nos últimos 35 anos pelas China ao nosso país.

A par das tradicionais relações bilaterais com um conjunto de países amigos, nos dois últimos anos assistiu-se, também, investidas do governo nas relações diplomáticas com países como a Líbia. Várias delegações governamentais e de empresários se deslocaram à Líbia. Houve, segundo parece, troca de embaixadores.
Anunciou-se a abertura de bancos com capitais líbios, quiçá em contrapartida anunciou-se também a construção de 14 mesquitas em Cabo Verde.

Relações diplomáticas com Líbia de Kadhaf aportam riscos e, para um pequeno país como Cabo Verde, representou, sempre, risco agravado, mesmo uma incógnita porque Líbia não é um estado no seu verdadeiro sentido do termo. É uma revolução, onde prevalecem instituições revolucionárias e não instituições fundadas nos princípios de Estado de direito. A prudência recomendaria que, nesses casos, Cabo Verde não fosse o primeiro país a chegar a Líbia.

Outra investida diplomática feita por Cabo Verde nos últimos tempos resulta do desenvolvimento das relações diplomáticas com a Guiné Equatorial. Embora Guiné Equatorial não é um país muçulmano e nem um país revolucionário, segundo parece, é uma ditadura. Sendo compreensível que Cabo Verde procura novos parceiros, essa intenção não pode ser projectada de forma politicamente furtiva. Ela deve inserir-se numa estratégia clara, transparente e, institucionalmente, suportada, em termos das grandes opções e prioridades da sua politica externa, por isso as instituições do país, designadamente o parlamento tem de acompanhar essas situações, porque no fundo é o parlamento o centro do poder, e porque a sociedade cabo-verdiana tem que tomar boa nota disso por forma a evitar surpresas futuras. Há que ter sempre presente as suas consequências. Diplomacia politica furtiva aporta sempre riscos futuros. A corrida aos fundos soberanos dos países de ditadura pode comprometer politicamente os países democráticos, sobretudo os pequenos países.

Por isso, como cheguei a defender em tempos, a diplomacia Cabo-verdiana tem de ser acessível à sociedade civil e isso só será possível se o parlamento cabo-verdiano assumir as suas responsabilidades em relação ao sector e exigir do governo trânsito dos acordos para efeitos de ratificação.

Entre Nós a tradição deve manter-se: as relações externas do país, por serem irreversíveis quando estabelecidas deveriam ser projectadas, também, através de veículos multilaterais, seguros e estáveis que a montante transportam questões de emancipação dos povos, da liberdade, da paz e tolerancia, da democracia e do respeito integral pelos direitos humanos: se sabemos apriori que estes princpios, quando anunciados de imediato dificultam o desenvolvimento de relações com os nossos parceiros ou dificultam o avanço deste ou daquele dossier, então não os anunciamos logo à partida, mas nos textos dos acordos, Cabo Verde deve, sempre, deixar bem explícito, aquilo que a sua constituição reza, que tem que ver com a democracia, com a liberdade e com os direitos humanos e o respectivo texto deve fazer transito no parlamento para efeitos de ractificação.

Não há que ter medo desses valores, que são universais e que enquadram a civilização ocidental de que fazemos parte. Um pequeno país, com um micro- Estado e um povo diasporizado, como é o caso de Cabo Verde, só ganha quando coloca esses valores, como variável nuclear na projecção da sua diplomacia, evitando dar corpo a uma especie de “diplomacia politica furtiva” muita em voga por razaões de escassez de capital e que, a curto prazo, traz dividendos, mais que a longo prazo aporta riscos, podendo contagiar a solidez das nossas instituições democráticas.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Crónica curta sobre o mar de Cabo Verde

Esta é uma crónica curta sobre o mar, para o descanso do nosso espírito, que pretende suscitar caminhos. Simplesmente o mar ainda sem quaisquer etiquetas. O mar de Cabo Verde, nosso encanto, cantado por todos os grandes poetas do país deve ser visto e constituir-se nosso recurso estratégico. Haja ou não recursos energéticos nas suas profundidades, a verdade é que o mar é agua. É energia das ondas é tudo o que podemos imaginar. O mar é também nossa útopia: a cultura do mar precisa-se. Cabo Verde continua sendo um país especial, porque, também, banhado por mar, pequeno, profundamente desigual e diasporizado, que pertence ao grupo de territórios insulares situado no grande corredor do atlântico, (atlântico médio), na linha do que são as ilhas britânicas. Cabo Verde tem vindo a mudar e ao longo dos trinta e cincos anos quase que se fez «milagre» no desenvolvimento social, humano e económico do país, tendo sido multiplicado o seu PIB desde 1975 (altura da independencia nacional) em mais de 10 vezes. Por isso, acho que deveríamos iniciar o debate sobre a temática do mar, esse mar imenso que nos rodeia.

A sociedade cabo-verdiana deveria ser, também, projectada a partir da sua dimensão marítima, por ser, naturalmente, uma sociedade de vocação marítima-explorando o mar, apesar de tudo, nós, os Cabo-verdianos, curiosamente, não gostamos do mar, não fomos e nem estamos a ser educado para o mar. Por isso, o governo, as camaras municipais e a sociedade civil deveriam passar a olhar para o mar de outra forma e com maior interesse. Fizeram-se poemas lindíssimos sobre o mar, mas o povo olha para o mar como uma imensidão vetusta e virgem, que ainda aponta para o caminho longe porque ainda não descobriu a forma de o explorar, pois o mar permitiu-nos partir, é verdade, mas permitiu-nos, também, voltar e agora e, especialmente, deve permitir-nos ficar.

Ainda, construímos as nossas casas de costas voltadas para o mar, como, aliás, temos estado a viver, e instalamos o nosso quintal, exactamente, encima do mar, para que lá vazemos os nossos detritos, os nossos lixos, e para lá fazermos aquilo que é conhecida por guerra cultural contra o mar, quando deveríamos, desde o ensino básico, ensinar o “mar” às nossas crianças e ter conteúdos escolares que desenvolvam temáticas sobre o mar. O nosso mar está aí, com uma superfície igual ou superior a 850 mil km2. Esse nosso mar, como se dizia em tempos numa publicidade: merece mais e merece muito mais.