quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Por direito Constitucional os Cabo-verdianos podem exigir do Governo a adopção do Salário mínimo de convergência.

O salário mínimo vem consagrado na Constituição da República e a sua adopção é uma questão de oportunidade política. Trata-se, portanto, de um direito fundamental e socialmente justo que deve ser exercido a todo tempo. E este poderá ser o tempo do salário mínimo, adoptado na Constituição da Republica desde finais da década de 90. O Presidente do MPD defendeu-o e bem, no Parlamento, propondo que o pais adoptasse um salário mínimo de convergência. O Líder parlamentar do MPD, num artigo de opinião, reiterou a mesma proposta. O Governo não respondeu ao desafio lançado. Importa que o debate continue, pois tratar-se-á de uma medida de politica estratégica. Uma medida de justiça social para o trabalhador, que definindo um valor de referencia mínimo para o saber-fazer dos Cabo-verdianos, tem implicações reformistas no mercado laboral. A introdução dessa medida permitiria convergência nominal de rendimentos aos cidadãos, sendo o melhor instrumento de combate as desigualdades sociais.

O lado do Governo: A questão pode não de ser fácil asserção, pois escrutina o Governo nas opções de politicas que escolheu como linha de força para o exercício da governação. Por isso, parece que o Governo não estava a espera que a Oposição fosse tão ousada, conquanto ter sido apanhado de surpresa. Que se saiba até hoje não reagiu à proposta, tendo preferido passar a ideia de que não a teria compreendido, designadamente (julgue-se!) na sua dimensão, profundidade e na forma como foi politicamente apresentada pelo Presidente do MPD, em sede do debate do Estado da Nação. Seria conveniente que o Dr. José Maria Neves e o Governo se pronunciassem sobre a questão, pois a luz da realidade macroeconómica actual do País, o direito ao salário mínimo, pelo menos o seu debate, não pode ser negado aos Cabo-verdianos.

A oportunidade da medida: A medida é programática pois vem consagrada na Constituição da República. Sendo profundamente necessária e socialmente justa, ela tem grande relevância social e não se pode duvidar da sua oportunidade. O salário mínimo pode, por isso, ser considerada economicamente oportuna, num País em transição para PDM, que precisa de se promover e valorizar a condição de trabalho, uma espécie de regulador em termos dos mecanismos de ascensão social e na definição dos mecanismos de acesso ao rendimento, produzindo sinais de referência seguros para o mercado e para os agentes económicos. Do ponto de vista político o salário mínimo cumpriria, perfeitamente, esse papel: aceita-se que seja de convergência com a produtividade a médio prazo, como escopo de entrada que culminaria na adopção de um valor final sustentável pela economia, pois em quaisquer circunstancias a Nação sairia valorizada e a ganhar, e a oportunidade da medida considerada nos tempos que correm factor de desenvolvimento económico e social.

O salário mínimo de convergência tem fundamento político, económico e razão social, sentido de regime e sentido de interesse nacional e sua implementação exigiria reformas ao Estado de direito e não custa ao país, um esforço financeiro alem dos 3% do PIB. O crescimento real do PIB deveria ser acompanhado das reformas económicas e politicas de que o pais precisa, pelo que o debate sobre o tema de salário mínimo está aí para suscitar e avaliar a vontade reformista do actual Governo, em reduzir o peso dos gastos público no PIB e o seu impacto, designadamente, no orçamento de Estado de 2008, num país que insiste, ainda, em ser incapaz de se romper em definitivo com o modelo de desenvolvimento centrado apenas nas ajudas publica ao desenvolvimento, no investimento directo estrangeiro no sector de turismo, no aumento da procura e no domínio asfixiante do Estado sobre a economia e, no fundo, na incapacidade de endogeneização dos factores que dão qualidade ao crescimento económico e numa fraca liberalização dos meios e factores de produtividade para o empresariado nacional em grande medida detidos e retidos pelo Estado. Em última analise pode-se dizer que tais reformas iriam contribuir para a redução do efeito de “espelho monetário” provocado por uma especulação fundiária, de efeito económico nulo a longo prazo, que apenas contribui para desregular os níveis de satisfação das populações, fomentar a imitação de consumo e agravar as desigualdades sociais.

O mérito da medida reside no facto de ter sido projectada no dia em que toda a nação vinha acompanhando o debate no Parlamento sobre Estado da Nação. Num momento em que a economia dá sinais contraditórios de estabilidade macroeconómica reflectindo ausência de reformas e espreitando a necessidade de projecção de novas politicas, clamando por medidas reformistas. Num momento em que, apesar do aparente estabilidade macroeconómica, o Governo surge com dificuldades no aproveitamento das oportunidades, deixando confrontar-se com a impossibilidade de cumprimento das metas de legislatura por ele definidos, como sendo o crescimento médio a 2 dígitos até final de legislatura e a redução do desemprego para níveis médios inferiores a 10%, na medida em que País está a crescer abaixo do seu PIB potencial e as estatísticas permitem observar que estamos a entrar na curva do agravamento do deficit comercial, já que sem a melhoria da produtividade, o padrão de crescimento baseado na procura, estimula as importações, num quadro de referencia macroeconómica em que o contributo da procura externa liquida para o crescimento é, notoriamente, reduzido.

O lado dos rendimentos: Nenhuma economia se desenvolve com base na ajuda pública ao desenvolvimento e com base na mão-de-obra barata, mas sim com base na valorização dos factores endógenos que induzem o crescimento de forma auto centrado e sustentável. O Governo deve compreender e ter esse bom senso, mas é provável que na procura de razões para negar o direito fundamental aos Cabo-verdianos de ter um salário mínimo, pode recorrer a argumentos de perdas de competitividade das empresas. Parece ter sido esse o argumento adoptado em sede de concertação social com os Sindicatos. Mas adoptar o salário mínimo como medida de politicas, não significa ausência da ideia de moderação salarial e nem se trata de uma forma indirecta para defender o aumento salarial.

As empresas nacionais perdem competitividade em relação a quem? E em relação a que mercados? Se levarmos em consideração que mais de 2/3 de rendimentos gerados no País tem origem nas receitas provenientes do trabalho, das actividades conexas relacionadas com excedentes das receitas de trabalho erigidas em investimentos famílias, sobretudo nas habitações, das remessas dos emigrantes, que, como se sabe, resulta, na sua grande maioria, das receitas do trabalho e se levarmos em consideração que apenas 3% desse rendimento tem origem nas receitas de capital e de propriedade, resultará que o País tem que valorizar o trabalho enquanto r fonte de rendimento mais seguro e credível dos Cabo-verdianos, colocando-se do lado da valorização das condições de trabalho, por via de uma agenda nacional para o desenvolvimento do trabalho decente e nas reformas que o maior empregador – o Estado - se dispõe a implementar.

Considerando dos argumentos de prudência económica, importa observar que cerca de 64% dos rendimentos gerados no País, provem das receitas de trabalho e que quase 30% da população activa que trabalha é pobre. Significa isso que não sendo o trabalho uma factor de empobrecimento das pessoas, não basta ter trabalho, pelo que importa que ele seja justamente remunerado, o que só é possível se for introduzido um valor de referencia que coloca decência ao trabalho, impedindo a desvalorização da mão-de-obra nacional, tendo como meta valorização dos investimentos que País tem feito na educação.

Se o Governo pretende verdadeiramente reduzir a pobreza, importaria melhorar a condição de trabalho e o regime de remuneração da população activa empregada, por via da adopção do salário mínimo nacional de convergência de molde a: 1) Qualificar genericamente a economia, atribuindo um valor de referência à fonte donde provem directa ou indirecta mais de 80% dos rendimentos das famílias; 2) Introduzir o princípio de valorização do capital social do País e dos seus activos em recursos humanos; 3) Dar razão de ser ao investimento que se faz hoje na educação, na formação e qualificação dos Jovens; 4) Enquadrar estrategicamente a oportunidade demográfica de Cabo Verde e contrariar o fenómeno da exclusão social; 5) Fixar um parâmetro de valor económico e de exigência para o mercado de trabalho aceitável pelos agentes económicos; 6) Inverter o crescimento da pobreza relativa, eliminar a pobreza extrema, ou acabar com a indigência de trabalho mal remunerado; 7) Permitir, em última análise, um equilíbrio entre o factor trabalho e o capital, corrigindo o desfasamento entre o crescimento económico e formas de geração de rendimentos para as famílias e para o mercado laboral.